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25 novembro, 2014

Dez Discos do Samba Paulista.

Por Matheus Trunk


São Paulo, tu és o meu amor
Ontem tinha bonde
Hoje tem metrô
 
(trecho da canção São Paulo e Seus Poetas de Astrogildo Silva e Marques Filho gravado originalmente por Noite Ilustrada no disco Samba Sem Hora Marcada de 1974 pela Continental Discos)

Aqui uma pequena seleção de dez grandes artistas da música popular que tiveram a “pauliceia desvairada” como palco de suas vidas e obras. Preferi não incluir compositores consagrados nos meios intelectuais e acadêmicos como Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini para falar sobre personagens mais esquecidos.

Mauricy Moura - Roteiro Noturno - Continental (1955)

Além do samba tradicional, as noites da capital paulista foram palco de grandes intérpretes de seresta, valsa e samba-canção. Durante muitos anos, a voz aveludada de Mauricy Moura (1926-1976) foi referência nesses gêneros. Apesar de ser um extraordinário artista, Mauricy tinha uma personalidade muito forte. Talvez por isso, gravou somente dois discos: Coquetel da Vida e este Roteiro Noturno. Neste trabalho, demonstra um pleno domínio de um repertório bastante sofisticado de compositores como Orestes Barbosa, Wilson Batista, Lupicínio Rodrigues e principalmente de seu ídolo Sílvio Caldas.



Germano Mathias - Ginga no Asfalto - Odeon (1962)
Mandusca, Barra Funda, Catedrático do Samba e Marlon Brando do Pari são apenas alguns dos apelidos de Germano Mathias. Com uma carreira artística de 55 anos, o sambista paulista gravou diversos discos e fez um enorme sucesso. Um de seus melhores discos é este Ginga no Asfalto, gravado no auge de sua carreira pela Odeon. A capa já fala por si: de terno azul claro e sapato branco, o malandro paulistano desfila pelo centro da cidade. Neste disco, Germano consegue elevar o samba sincopado a patrimônio cultural em canções que colam no ouvido como Maria Espingardina, Mulher Por Acaso, Baile do Risca Faca, Lar Sem Pão e Requebrado Diferente. Obra-prima indispensável em qualquer coleção de discos de samba.

Jorge Costa - Samba Sem Mentira - Copacabana (1968)


Inexplicavelmente, o alagoano Jorge Costa (1922-1995) permanece esquecido. Extremamente talentoso, suas canções eram disputadas por artistas como Germano Mathias, Noite Ilustrada, Jair Rodrigues, Ângela Maria e até mesmo Nelson Gonçalves. A noite de São Paulo era seu habitat natural. Segundo a contracapa do disco, Jorge sempre era achado nas “boates e inferninhos paulistas”. O forte deste genial compositor eram os sambas sincopados como Castiguei, Falso Rebolado e Baile do Risca-Faca. Como cantor, Jorge gravou dois raros LPs: este Samba Sem Mentira (1968) e Jorge Costa e Seus Sambas (1973). Samba Sem Mentira reúne canções sobre questão social (Inferno Colorido e Maria Felicidade), dor-de-cotovelo (Não Me Interessa, Bandeira da Paz e Chave do Coração, esta última em parceria com José Domingos), candomblé (Tamborete da Vovó) e uma verdadeira obra-prima da canção popular (Triste Madrugada).

Nerino Silva - Deixe Comigo - RCA Victor (1968)
Sambista radicado na paulicéia bastante conhecido nos anos 50 e 60. Seu maior sucesso foi a canção bem-humorada Minha Sogra. Chegou a participar ao lado de Germano Mathias em uma cena do filme O Preço da Vitória (1959) de Oswaldo Sampaio. Infelizmente, Nerino gravou pouco e praticamente não existem informações sobre sua carreira. Seu álbum mais conhecido é este Deixe Comigo gravado na major RCA Victor em 1968, com uma capa psicodélica. No repertório, canções de Zé Kéti (Amor de Carnaval), Lupicínio Rodrigues (Dona Divergência) e Gordurinha (Súplica Cearense).

Noite Ilustrada - Não Me Deixe Só - Continental (1978)
Mário de Souza Marques Filho (1928-2003) é um dos maiores cantores da história da música brasileira. Com o pseudônimo de Noite Ilustrada, ele se tornou o imperador das noites paulistanas. Ele era o rei das boates Meninão, Jogral, Pierrot, Lé-Bar-Bar, Kings Bar e Capitan´s Bar. Seu nome era sinônimo de grandes apresentações, profissionalismo e de sambas bem cantados. Difícil é escolher um único disco deste grande mago da canção. Selecionei o emocionante Não Me Deixe Só, lançado originalmente em 1978 pela gravadora Continental. No lado A, Noite fala sobre a questão social (As Flores do Mal), regrava um sucesso do passado (Idade de Fazer Bobagem), comenta os imprevistos da vida (Atalhos) e homenageia o mestre Ataulfo Alves (Homenagem). No lado B, faz dueto com Hebe Camargo para homenagear a amiga Isaurinha Garcia (no pot-porri Mensagem e A Outra Mensagem), faz referência a uma casa de boas moças do Nordeste (Dona Maria Boa) e fala sobre a solidão (Não Me Deixe Só e Ai! Que Saudades da Casa Amarela).

José Domingos - Quando Eu Me Chamar Saudade - Chantecler (1979)
Cantor de grande talento, José Domingos sempre recebeu pouco reconhecimento pela crítica especializada.Quando Eu Me Chamar Saudade é seu segundo LP que contou com produção de Luiz Mocarzel e arranjos do maestro Aluísio Pontes. Além de conter músicas próprias do cantor (como Mais Uma Vez Adeus, Quem Sabe de Mim, Garrafa Vazia e Chave do Coração, esta última em parceria com Jorge Costa) este belo disco contém sambas de compositores consagrados como Ataulfo Alves (Caminhando), Paulo Vanzolini (Praça Clóvis e Ronda), Dora Lopes (Pedra Noventa) e Nelson Cavaquinho (Quando Eu Me Chamar Saudade). Este trabalho de José Domingos é um passeio pelas boates e bares da São Paulo dos anos 60 e 70. Absolutamente imperdível.

Geraldo Filme - Geraldo Filme - Estúdio Eldorado (1980)
A importância de Geraldo Filme (1928-1995) para o samba de São Paulo é semelhante a importância de Cartola para o samba do Rio de Janeiro. Amigo de personalidades como o poeta Solano Trindade e o dramaturgo Plínio Marcos, Geraldão da Barra Funda sempre foi um líder entre os bambas da paulicéia. Sua paixão pela Vai-Vai está eternizada em dois verdadeiros hinos da escola como Tradição e Silêncio no Bexiga, ambas presentes neste disco. Outras grandes canções do LP: História da Capoeira, Vai Cuidar da Sua Vida e Reencarnação. Uma pena que um monstro sagrado da música brasileira como Geraldo Filme tenha gravado tão pouco.

Kazinho - O Samba Como Ele É - Popular Brazil
O paraense Oscar Azevedo dos Santos, o Kazinho é um dos grandes compositores do samba paulistano. Durante muitos anos, ele fez canções para nomes como Ciro Monteiro, Demônios da Garoa, Germano Mathias, Noite Ilustrada e Ari Lobo. Infelizmente, a vida e a obra deste verdadeiro Nelson Cavaquinho do Itaim Paulista permanece esquecida. Pouca gente sabe, mas ele gravou um raríssimo e belo LP com seus maiores sucessos. Além das divertidas Estou a Zero e Deu a Louca na Nega, Kazinho relembra sua terra natal em Saudade do Pará e reclama dos amores mal resolvidos em obras-primas como Meu Tipo, Meu Viver e especialmente Eu e a Saudade Pela Rua. Na edição original, não consta a data de lançamento do disco.

Osvaldinho da Cuíca - Osvaldinho da Cuíca Convida Em Referência ao Samba Paulistano - Rio 8 Fonográfico (2006)
Belíssimo trabalho do “embaixador do samba paulista” Osvaldinho da Cuíca. Este CD contém somente canções de sua autoria. Para este trabalho, ele contou com a participação especial de artistas como Demônios da Garoa, Jair Rodrigues, Aldo Bueno, Elizeth Rosa, Dedé Paraízo, Quinteto em Preto e Branco e Thobias da Vai Vai. Destacam-se do excelente repertório músicas como Minha Vizinha, Ditado Antigo,Barra Funda e Hino da Velha Guarda.

Velha Guarda do G.R.C.E.S. Unidos do Peruche - Memória do Samba Paulista - Sambatá (2008)
Com caprichada produção de T. Kaçula e Renato Dias, Memória do Samba Paulista é o primeiro registro em CD da Velha Guarda da Unidos da Peruche. Contando com canções de bambas como Geraldo Filme e Carlão do Peruche, o repertório demonstra que dentro das escolas paulistanas existem grandes e esquecidos compositores. No Rio de Janeiro, velhas-guardas de inúmeras escolas de samba mereceram diversos álbuns. Em São Paulo, a maioria das escolas paulistanas não ganharam nenhum registro sonoro.

Bibliografia utilizada:

Contracapas de discos e filmes:

- Contracapa do disco Samba Sem Mentira de Jorge Costa, Copacabana Discos, 1968.

- Contracapa do disco Quando Eu Me Chamar Saudade de José Domingos, Chantecler, 1979.

- Documentário Geraldo Filme de Carlos Cortez (1998)

- DVD Ginga no Asfalto de Germano Mathias- Lua Discos (2008)

Livros:

- ANTÔNIO, João. Abraçado ao Meu Rancor. São Paulo: Cosac & Naïfy, 2006.

- BORELLI, Hélvio. Noites Paulistanas: Histórias e Revelações Musicais das Décadas de 50 e 60. São Paulo: Arte & Ciência, 2005.

- JOANIDES, Hiroito. Boca do Lixo. São Paulo: Edições Populares, 1978.

- MACIEL, Paulo Viana. Noite Ilustrada: de Pirapetinga Para o Brasil. São Paulo: Milesi, 1980.

- RAMOS, Caio Silveira. Sambaexplícito: As Vidas Desvairadas de Germano Mathias. São Paulo: A Girafa, 2008.

DEZ DISCOS DO SAMBA PAULISTA via Musicaria Brasil

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