Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1908
Meu querido amigo,
A sua carta de 17 chegou-me ontem, 20, e só agora de manhã lhe respondo.
Não cuidei que a causa da ausência destes dias fossem nervos; agora o sei e creio. Já nos habituou a esses sujeitos, maus inquilinos, quando se metem a proprietários efetivos abusam desapiedadamente da casa. Felizmente parece que estes vão cedendo; apesar disso, a sua resolução de obter descanso ou licença para se tratar de vez e seguidamente, é boa. Por mais que me custe a ausência, estimo saber que caminha para o total restabelecimento. Lá tem consigo, na família, o melhor viático do coração.
Tem ainda o do espírito, esse Prometeu que o atrai e para o qual toma notas e colige ideias. Sobre o verso solto, em que pretende fazê-lo, não pode ter senão os meus aplausos. Sabe como aprecio este verso nosso, que o gosto da rima tornou desusado; e o verso de Garret e de Gonçalves Dias, e ambos, aliás, sabiam rimar tão bem.
Agora, ao levantar-me, apesar do cansaço de ontem, meti-me a reler algumas páginas do Prometeu de Ésquilo, através de Leconte de Lisle; ontem entretive-me com o Phedon de Platão, também de manhã, veja como ando grego, meu amigo. [ ]
De mim, vou bem, apenas com os achaques da velhice, mas suportando sem novidade o pecado original, deixe-me chamar-lhe assim. Creio que Miguel Couto me trouxe a graça. [ ]
Adeus querido amigo, recomende-me a D. Helena, a Mamãe e a todos os seus meninos. Creia-me sempre,
Seu do coração,
Machado de Assis
In Prezado senhor, Prezada senhora, Estudos sobre cartas, Walnice Nogueira Galvão e Nádia Battella Gotlib, Companhia das Letras, SP, 2000.
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