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31 agosto, 2013

Bolívia é insignificante, diz Maristela Basso, comentarista da TV Cultura e professora da USP

Miguel Arcanjo Prado, editor de Cultura do R7
Maristela Basso, professora da USP, na TV Cultura: "A Bolívia é insignificante em todas as perspectivas"Reprodução/TV Cultura
Os telespectadores do Jornal da Cultura (TV Cultura) assistiram na edição da última quinta (29) a um comentário polêmico. Ao falar sobre o asilo que o Brasil deu ao senador boliviano Roger Pinto Molina, Maristela Basso, comentarista do telejornal e professora doutora da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), disse que “a Bolívia é insignificante em todas as perspectivas”.

O vídeo com a declaração da professora se espalhou nas redes sociais, onde causa indignação. Ela é acusada de preconceito e xenofobia.

Ao comentar a fuga do senador que gerou uma crise diplomática, a professora disse que o assunto é “insignificante para nós”. Eis as declarações de Maristela Basso.

— A Bolívia é insignificante em todas as perspectivas. É um país, sim, que tem uma fronteira enorme com o Brasil, são nossos vizinhos que têm maior fronteira terrestre, mas nós não temos nenhuma relação estratégica com a Bolívia, nós não temos nenhum interesse comercial com a Bolívia.

Ao contrário do que afirmou a professora, o Brasil tem relações comerciais com a Bolívia. Quase três quartos do gás natural consumido pelas indústrias paulistas provêm da Bolívia, pelo gasoduto de mais de 3.000 quilômetros que liga a cidade boliviana de Rio Grande a Porto Alegre, e que passa por São Paulo. A Petrobras tem acordo com a estatal boliviana de petróleo YPFB para exportação diária de 30 milhões de metros cúbicos de gás. O Brasil é o principal cliente da Bolívia neste produto. Em 2012, as exportações de gás da Bolívia somaram US$ 5,7 milhões de dólares — a compra brasileira corresponde a 75% deste valor.

Ainda no Jornal da Cultura, Maristela Basso fez outras afirmações fortes.

— Os brasileiros não querem ir para a Bolívia. Os bolivianos que vêm de lá vêm tentando uma vida melhor aqui, [eles] não contribuem para o desenvolvimento tecnológico, cultural, social e desenvolvimentista do Brasil. Então, Bolívia é um assunto menor.


Racismo e xenofobia 

A comunidade boliviana em São Paulo, estimada em cerca de 250 mil pessoas pelo Consulado da Bolívia na capital paulista, recebeu de forma indignada as declarações de Maristela Basso. Carmelo Muñoz Cardoso, presidente da ADRB (Associação de Residentes Bolivianos), que existe desde 1969, encaminhou pedido de direito de resposta à TV Cultura. Na carta enviada, repudiou a entrevista de Maristela Basso.

— As declarações proferidas têm um alto grau ofensivo a toda comunidade boliviana. A afirmação de que a Bolívia é insignificante demonstra notório racismo, total xenofobia, absoluto preconceito e desrespeito pelo nosso país. Além das medidas legais, requeremos à TV Cultura o direito de resposta.

Procuradas pela reportagem do R7, a professora Maristela Basso e a TV Cultura não se pronunciaram sobre o caso até o momento.

Repercussão na sociedade

A fala de Maristela Basso repercutiu também entre brasileiros que admiram o país vizinho; gente como o analista de sistemas Danilo Barbosa Ribeiro, morador de Salvador. Ele viajou a turismo para a Bolívia em 2011. Passeou durante mais de uma semana pelo país andino.

— Sempre tive vontade de conhecer a Bolívia, porque eles têm uma rica cultura indígena latino-americana. É um país lindo e de gente muito hospitaleira. Acho um absurdo a professora dizer que “os brasileiros não querem ir para a Bolívia”. Porque, quando estive lá, praticamente metade dos hóspedes dos hotéis onde fiquei era de brasileiros.

O professor Caio Lazaneo, morador de São Paulo, viajou durante dez dias pela Bolívia em 2008.

—  A Bolívia tem grande riqueza étnico-cultural. Achei a fala profundamente superficial. É uma opinião de alguém que não olha para o outro com o mínimo respeito. Nenhum país é insignificante.

O artista carioca Lenerson Polini, que trabalhou com 12 atores bolivianos na peça Caminos Invisibles - La Partida, da Cia. Nova de Teatro, apresentada no mês passado em São Paulo, considera "lamentável que uma emissora como a TV Cultura abra espaço para opiniões tão absurdas como a dessa professora".

— O que ela diz é assustador, sobretudo em uma cidade multicultural como São Paulo, feita de imigrantes. Isso revela todo um pensamento xenofóbico que está crescendo cada vez mais em nosso País. A sociedade tem de combater isso.

Argumento da desqualificação

As declarações também repercutiram no meio acadêmico. O professor doutor Dennis de Oliveira, coordenador do Celacc (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação) da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP afirma ao R7 que a fala de Maristela “tem um viés ideológico muito sutil”, “defendendo que o Estado brasileiro tenha uma atuação tipicamente imperialista e arrogante, de simplesmente ignorar a demanda legítima da nação vizinha”.

Oliveira comenta o fato de a professora nem sequer considerar a riqueza cultural andina da Bolívia.

— Ela não tem este alcance, pois este sentimento preconceituoso e depreciativo advém de uma concepção eurocêntrica de mundo. Por isto, qualquer coisa vinda da América Latina é menor ou coisa sem importância.

Ainda segundo o professor do Celacc-USP, quando Maristela Basso classifica a Bolívia como um assunto menor, ela “foge do problema central deste fato que é a postura inadequada do diplomata brasileiro na Bolívia que montou uma operação de fuga, a partir da embaixada brasileira, sem qualquer conhecimento ou autorização do Itamaraty”.

— Isto corresponde a uma grave quebra de hierarquia em um órgão importante e acabou criando uma crise diplomática para o Estado brasileiro. Além disto, sob qual perspectiva ela considera a Bolívia um assunto pequeno? Por acaso, a estratégia da diplomacia brasileira de investir na integração do continente é algo pequeno? Por quê? Enfim, na ausência ou na dificuldade de expressar argumentos, a docente partiu para o instrumento fácil da desqualificação.

Veja o vídeo, abaixo, com o comentário de Maristela Basso no Jornal da Cultura:



 


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