A natureza tem vários mecanismos de controle que promovem a sua resiliência em múltiplos aspectos. A infiltração da água das chuvas na zona rural, por exemplo, é essencial para manter saudáveis o solo, a vegetação e todos os demais seres vivos que habitam o planeta. Entretanto, estão ocorrendo em todas as regiões do Brasil, com crescente frequência, uma série de estiagens severas e mais prolongadas, entremeadas por enchentes catastróficas.
Sem a infiltração, que ocorre naturalmente no solo bem agregado (grumoso) de todos os biomas, as minas d'água, os rios, os lagos, os poços e os aquíferos vão secando. Nos pastos pisoteados pelo gado e nas monoculturas para alimentá-los, as chuvas fortes escorrem e retornam bem mais rapidamente aos oceanos. E, pelo caminho, além da erosão, provocam alagamentos, invadem as cidades e deixam grandes populações desabrigadas.
Em 2024, contrastando com a catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul, o nível dos rios em importantes bacias hidrográficas brasileiras baixou perigosamente. Entretanto, esses extremos climáticos, de enchentes mescladas com secas, podem ser atenuados. É muito relevante que se adote de forma mais generalizada no Brasil as técnicas de manejo ecológico do solo estabelecidas pela pesquisadora Ana Primavesi, umas das pioneiras no estudo da agricultura sustentável.
Essa engenheira agrônoma imigrou da Áustria para o Brasil após a conclusão do seu doutorado em Cultura de Solos e Nutrição Vegetal. Na década de 1950, publicou, em português, artigos científicos sobre erosão. E, ato contínuo, até 2017, escreveu importantes livros sobre manejo ecológico de solos, pastagens e pragas agrícolas. Foi a primeira cientista a falar de solo vivo.
Desde o período colonial pratica-se uma agricultura inadequada no Brasil, principalmente para as regiões tropicais do nosso país. De acordo com a doutora Primavesi, o solo dessas regiões, em contraste com os de clima temperado, necessita de matéria orgânica mais abundante, cobertura vegetal permanente para protegê-lo das chuvas mais intensas e da insolação maior, bem como de menor quantidade de insumos minerais.
Os solos tropicais, comparativamente aos temperados, são mais profundos, têm pH mais ácido, uma concentração de micro-organismos muitíssimo maior, decompõem o húmus mais rapidamente e, por não ficarem congelados no inverno, não necessitam de revolvimento profundo.
A natureza adapta-se às condições climáticas locais. A temperatura ideal do solo tropical, que fica exposto ao sol continuamente, é de 25ºC. Já em clima temperado, no qual o solo fica sob a neve no inverno, é de 12ºC. As práticas agrícolas que os imigrantes europeus implantaram no Brasil ignoraram muitos desses contrastes e não são as mais adequadas em muitos aspectos. Por exemplo, no que concerne às necessidades de manter cobertura vegetal permanente, maior incorporação de matéria orgânica, redução do desmatamento e inclusão de barreiras de vento em pastos e monoculturas.
Queimar florestas nativas para abrir pastos e implantar monoculturas, principalmente na Amazônia e no Cerrado, é uma prática inconsequente que está desequilibrando todo o sistema hidrológico do Cone Sul.
Além de liberar grandes quantidades de gases de efeito estufa, a retirada da vegetação elimina um elemento crucial para a infiltração da água da chuva, a recarga dos lençóis freáticos e o abastecimento das nascentes. Em seu lugar, surgem imensos cultivos carentes de biodiversidade, nos quais as chuvas escorrem, causam enchentes nas cidades, promovem erosão, assoreiam os rios e aceleram a evaporação.
A redução da infiltração das precipitações na Amazônia, causada pela substituição progressiva do bioma nativo por pastos, vem prejudicando a reciclagem das chuvas pela floresta através da evapotranspiração e, como consequência, diminuindo a eficiência dos "rios voadores". Esses rios aéreos de vapor d'água são responsáveis por significativa parcela das chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e principalmente no Sul do Brasil.
No caso do Cerrado, à medida que as chuvas vão escorrendo mais, em vez de infiltrar, importantes nascentes que abastecem bacias como as do Paraguai e do São Francisco vão secando.
Já é conhecido o fato de que um hectare de agrofloresta, além do sequestro CO2 da atmosfera, gera bem mais lucros e empregos que um de pasto, restitui a biodiversidade e promove a infiltração das chuvas. Adicionalmente, de acordo com o pesquisador Marco Springmann, da Oxford Martin School, por grama de proteína produzida, o emprego de carne bovina gera cerca de 250 vezes mais gases de efeito estufa em relação à utilização de lentilhas e feijões para esta finalidade alimentar.
O consumo exagerado de carne vermelha pode aumentar a probabilidade de se vir a ter câncer colorretal, elevação dos níveis de colesterol e uma maior dificuldade de se adaptar às ondas de calor. A digestão muito lenta da carne, que prolonga a demanda por sangue na região abdominal, compete com a necessidade dos nossos organismos de, simultaneamente, também ter de enviar mais sangue às regiões periféricas para melhor dissipar o calor, quando a temperatura externa se eleva demasiadamente.
Colaborou Flaminio Levy Neto, engenheiro mecânico e mestre em Engenharia pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Ph.D. em engenharia, que lecionou no ITA e na UnB (Universidade de Brasília) e já publicou três livros. Foi consultor ad hoc da CAPES e do CNPq. Atualmente atua como ad hoc na FACEPE.