28 agosto, 2013

Sheik é tão falso quanto jornalismo de Twitter - André Barcinski

Na semana em que a Síria matou mais de mil pessoas, provavelmente usando armas químicas, em que Dilma liberou 1,2 bilhão em verbas para deputados e senadores, enterrando a CPI da Copa do Mundo, em que o STF não explicou por que sumiu da pauta o julgamento do “Mensalão Tucano”, e em que a Câmara dos Deputados confirmou ter 1370 funcionários recebendo “supersalários”  irregulares de mais de 28 mil reais, o assunto que dominou o país foi o selinho de Emerson Sheik em um amigo.



Quarta-feira, dia 21, uma foto da Associated Press mostrava pais em Damasco tentando reconhecer os cadáveres dos filhos.



Enquanto isso, as reportagens mais lidas em sites de informação aqui no Brasil foram a bronca que a ex-Panicat Nicole Bahls deu na funkeira Anitta (“Ela deveria botar os pezinhos no chão”) e a cobertura da Festa de Peão de Barretos. Além do beijinho do Sheik, claro.


O caso do selinho deveria ser estudado em cursos de jornalismo.
Um jogador de futebol, Emerson Sheik, dá uma bitoca num amigo e posta a imagem no Instagram. No dia seguinte, cinco – repito, cinco – integrantes de uma torcida organizada fazem um protesto homofóbico, e o selinho vira assunto nacional.
Num exemplo da volatilidade de acontecimentos gerados por mídias sociais, Sheik, assim que viu a repercussão negativa do beijinho, fez questão de pedir desculpas à maior torcida organizada de seu time: “Não sou são-paulino”. O ativista contra o preconceito virou preconceituoso, de um dia para o outro. É ou não fantástico o mundo do ativismo virtual?
Não tenho nada contra o jornalismo de celebridades. A vida dos famosos sempre interessou ao povão e vai continuar interessando.
O problema é quando esses assuntos passam a merecer um espaço desproporcional à sua real importância. Quando o Twitter das celebridades vira uma fonte de informação tão impactante, é porque alguma coisa está muito errada.
Não acho que o jornalismo esteja piorando, como dizem muitos, mas essa obsessão em se pautar pelos textos mais lidos da Internet está causando um desequilíbrio na noção do que é ou não notícia.
É um círculo vicioso: a maioria prefere ler futilidades, então essas futilidades lideram o ranking dos assuntos mais lidos, dominam o noticiário e empurram assuntos realmente sérios para cantos escuros, onde atraem apenas uma minoria de chatos (perceberam como os que se opuseram à destruição do Maracanã estão sendo tachados de “saudosistas”?) .
Isso cria uma falsa noção de democracia, em que a voz da maioria decide o que importa ou não.
Imagine um mundo onde chefs de cozinha passem a só fazer pizza porque é o que o povão prefere; em que escritores só lancem “50 Tons de Cinza” porque é o que o povão lê, e onde cineastas só dirijam comédias estúpidas que parecem rebutalho do “Zorra Total”, porque a maioria gosta disso.

Na verdade, não é preciso grande esforço de imaginação. Isso está acontecendo aqui e agora. Ao contrário do selinho do Sheik, isso é real. A mediocridade, ou a vitória do gosto médio, está tomando conta. Tá tudo dominado.


--