12 agosto, 2013

Raí está nas páginas vermelhas da Revista IstoÉ desta semana




Raí

"O Ministério do Esporte não tem uma política"
O ex-jogador afirma que o governo só está preocupado com a organização da Copa e da Olimpíada e, mesmo assim, o País deve ter um fraco desempenho em medalhas na Rio 2016

por Débora Crivellaro
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PLANOS
Raí está escrevendo seu segundo livro e quer voltar a estudar
Aos 48 anos, o ex-jogador de futebol Raí, camisa 10 da Seleção Brasileira na Copa de 1994, está cada vez mais envolvido com seus projetos de ação social, a Fundação Gol de Letra, criada em 1998 em parceria com o também ex-atleta Leonardo, e o mais recente, Atletas pelo Brasil, entidade única no mundo que reúne 61 esportistas do quilate de Lars Grael, Ana Moser e Magic Paula, campeões de diferentes modalidades, em atividade ou não, que se uniram há sete anos com a intenção de propor – usando a força de seus nomes e o peso de suas experiências pessoais – mudanças estruturais na política de esporte do Brasil. “Dispenso mais de 50% do meu tempo para essas duas entidades”, confessa Raí, muito mais seguro e descontraído do que nos tempos de jogador. Há menos de um mês, na esteira das manifestações que ocorreram no País, o Atletas pelo Brasil lançou um manifesto, reivindicando, entre outros pontos, mudanças na legislação que trata dos mandatos dos dirigentes esportivos. A seguir, o ex-jogador fala sobre suas expectativas, no momento em que todos os olhos se voltam para o esporte, às vésperas da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016.
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"O Marin representa uma dinastia que trouxe
vícios, falta de transparência, que defende
interesses outros acima do esporte”


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“A perda do Sócrates me cutucou. Resolvi deixar 
a irreverência dele me provocar mais, que não é o 
natural em mim, mas é o legado que ele deixou”

Foto: PAULO GIANDALIA/AE

Foto: Flavio Florido/UOL / Folhapress

ISTOÉ -
Por que os srs., do Atletas pelo Brasil, decidiram divulgar o manifesto agora?
RAÍ -
Porque a sociedade toda está se mobilizando, vide as manifestações de junho. O momento também é oportuno porque o Brasil vai sediar os maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo e a Olimpíada. São eventos de esportes e em nenhum momento o governo falou o que vamos fazer para transformar essa atividade no dia a dia dos brasileiros. Nossa questão é: o Brasil vai sediar grandes eventos, mas e o esporte no País? Qual é a situação dele? A gente sabe que está muito longe do ideal. E o que está sendo planejado para que isso mude? Muito pouco. A gente construiu o manifesto para tentar fazer dessa discussão uma prioridade.
ISTOÉ -
O que os srs. reivindicam?
RAÍ -
O manifesto toca em algumas questões que a gente julga primordiais, como mexer na legislação para limitar o mandato dos dirigentes esportivos. Para isso, estamos fazendo lobby mesmo, indo ao Congresso. Também reivindicamos a criação de uma comissão interministerial com participação da sociedade, com metas, estratégias, métricas de avaliação e resultados claros. O terceiro ponto seria a apuração referente às denúncias de violação de direitos humanos nesses grandes eventos, além da exigência de total transparência.
ISTOÉ -
O sr. acha que ainda dá tempo para mudanças estruturais, faltando um ano para a Copa e três para os Jogos?
RAÍ -
Com relação às medalhas, não dá tempo. O Brasil deve subir no ranking porque está havendo muito investimento em atletas com potencial, que já estavam formados, mas esse número será longe do ideal. Mas o mais importante não são as medalhas e sim o legado que esses eventos deixam, que vai muito além deles. Se o governo começar algo agora, implantar uma política esportiva, terá resultados crescentes e permanentes. A gente não vai ter grandes resultados até a Olimpíada, mas se tiver uma discussão mais ampla, teremos muitos avanços.
ISTOÉ -
Assim que terminou a Olimpíada de 2010, o Ministério dos Esportes lançou uma série de medidas de curto prazo, como o Bolsa Medalha. Como o sr. as avalia?
RAÍ -
Esse imediatismo, que não existe só nos esportes, é um grande problema do Brasil. Quando você faz coisas de curto prazo, acaba investindo muito mais, e para poucos, porque não existe essa cultura de esporte desenvolvida no País. A partir do momento em que as pessoas tiverem consciência de que esporte é um direito, poderão cobrar mais.
ISTOÉ -
Londres, que sediou os Jogos em 2012, conseguiu deixar esse legado?
RAÍ -
Sem dúvida. Desde 2005 eles têm vários programas de planejamento de médio e longo prazo para produzir impacto na vida das pessoas e se tornaram um país olímpico no sentido mais nobre da palavra. Como resultado, os alunos têm hoje duas horas a mais de esportes na escola por semana. Isso trouxe melhoria no rendimento de outras matérias, como matemática e língua inglesa. São comprovações de que o esporte pode ter um impacto muito mais amplo do que ganhar medalhas.
ISTOÉ -
É verdade que seu grupo tenta uma audiência, mas ainda não foi recebido pela presidenta Dilma?
RAÍ -
Sim. Conversamos com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), chegamos ali perto do gabinete da Presidência e ela garantiu que iria falar com ela. Porque a gente acha que é muito importante o governo federal assumir isso. Nós temos propostas concretas, com resultados, temos pesquisas feitas em conjunto com instituições sérias, e estamos dispostos a ajudar. E aí você pega Lars Grael, Ana Moser, Flavio Canto, Kaká, Magic Paula. Estamos oferecendo voluntariamente nossa experiência a serviço da construção de um modelo melhor. É evidente que a gente sabe que a presidenta da República tem muitas prioridades, mas é um grupo representativo que está se juntando e gostaria de ser ouvido.
ISTOÉ -
Como os srs. avaliam a atuação do ministro Aldo Rebelo? Ele já os recebeu?
RAÍ -
O atual ministro do Esporte assumiu há menos de dois anos com uma missão clara, que é a de fazer os eventos acontecerem. Então você vê o ministro viajando, inspecionando todas as obras. E a gente acha que não é incompatível fazer os eventos acontecerem, mas a função do Ministério do Esporte é também construir uma política esportiva e envolver as outras pastas. E, atualmente, o Ministério do Esporte não tem uma política. Logo que ele assumiu, falamos com ele. Houve uma ocasião em que dez atletas, campeões olímpicos e mundiais, marcaram uma audiência com ele para falar de uma emenda a uma medida provisória que cuidava dos dirigentes esportivos. Eu estava nesse grupo e, nesse dia, ele não nos recebeu. Nós havíamos feito uma mobilização grande para ir para lá.
ISTOÉ -
Por que o sr. nunca exerceu um cargo público?
RAÍ -
Por opção. A minha forma de fazer política é essa, vou ser mais eficiente assim. Valorizo bastante quem está lá, no Executivo ou no Legislativo, porque há muitos entraves, tem que ter um perfil que se adapte a isso, que saiba como trabalhar para obter resultados. Sempre quando vejo um santinho penso: nunca vou fazer isso na minha vida! Sou mais útil e mais de bem comigo mesmo com essa forma de atuação, que também é um grande desafio.
ISTOÉ -
E o que o sr. acha dessa grita, durante as manifestações, contra a realização da Copa no Brasil?
RAÍ -
A população fala isso porque falta transparência. Você tem os motivos históricos do País: educação ruim, saúde ruim. Você vê o País crescendo economicamente e os serviços com uma qualidade baixíssima. E, ao mesmo tempo, investimentos que trazem muitos benefícios para o setor privado sendo feitos, e com muito dinheiro público. Acho que essa equação botou a Copa como alvo. Existe superfaturamento, apropriação indevida? Vamos ver. Enquanto não houver transparência, que não há porque a estrutura é fechada, haverá reclamações.
ISTOÉ -
Como o sr. avalia a atuação de seu ex-colega de gramados, o agora deputado federal Romário (PSB-RJ)?
RAÍ -
Ele está sendo muito mais atuante do que muita gente esperava. Está sendo corajoso, se colocando. A gente está trabalhando com a equipe dele e de outros esportistas que estão no Congresso. Eu não quero estar no Legislativo, mas quem se arrisca, a gente tem de fazer de tudo para ser nosso aliado.
ISTOÉ -
Ele faz severas críticas ao atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin.
RAÍ -
O Marin representa a continuidade, uma dinastia que vem desde muito tempo na CBF e que trouxe vícios, falta de transparência, defende interesses outros acima do esporte. Acho que tem de ter uma revisão disso, uma transformação. 
ISTOÉ -
O sr. lançou um livro infantil, “Turma do Infinito” (Cosac Naify). Pretende escrever mais?
RAÍ -
Não pretendo ser escritor, não tenho essa pretensão, mas já estou terminando a sequência da “Turma do Infinito”. Sempre gostei de escrever coisas curtas e as divido com pessoas próximas. Fiquei muito feliz porque três escolas já adotaram meu livro como conteúdo.
ISTOÉ -
Um dos temas centrais do seu livro é a busca de um lugar na vida, um sentido. Já encontrou o seu?
RAÍ -
A vida é uma eterna busca de ter uma razão para vivê-la. Minha inquietude tem a ver com isso. Me viciei nisso. Esporte, ação social, ação política, escrever livro, gosto de estar ampliando. Quando deixei os gramados, a Gol de Letra era a razão para eu acordar. Agora quero voltar a estudar. Estou sempre buscando. Porque a vida é esquisita, né? Ela é eterna, pelo menos no nosso imaginário, a gente precisa acreditar nisso. Mas, ao mesmo tempo, ela é esquisita, começa, acaba ali... Por que então? Você tem de buscar uma razão para viver. E nunca é a mesma coisa. 
ISTOÉ -
E quando o sr. fala em voltar a estudar, já sabe o quê?
RAÍ -
Estudei um pouco de filosofia, gosto de tudo o que é relacionado a humanas. Já pensei em economia. Ainda não decidi, mas tem temas, como políticas públicas de esportes e gestão pública, que me interessam. Se você me perguntar, o que estudou na vida que mais te deu satisfação e se sentiu crescendo, foi filosofia.
ISTOÉ -
Como lida com a ausência de seu irmão Sócrates passados mais de um ano de sua morte?
RAÍ -
A perda do Sócrates me cutucou um pouco. Tudo o que ele deixou de mensagem, de atitude. Resolvi deixar esse lado, a irreverência do Sócrates, me provocar mais, que não é o natural em mim, mas é o legado que ele deixou para os próximos e para muita gente. Vira e mexe passa na minha cabeça: você pode provocar mais, ser provocador. A morte dele foi difícil, mas foi uma escolha de vida, de estilo de vida, que não o impedia de dar suas opiniões, de influenciar pessoas.
ISTOÉ -
Seu irmão morreu em decorrência do abuso de álcool. Esse tema ainda é tabu no futebol?
RAÍ -
Drogas é minoria. Já álcool é como na sociedade. Eu também sempre bebi, mas da minha maneira, nos meus momentos, nada fora do que existe na sociedade. Com o esportista, o abuso de álcool se transforma em fraqueza. Tem menos casos, mas marca mais porque os esportistas são símbolos de saúde. Mas não podemos esquecer que são humanos.