12 agosto, 2013

Ex-interna relata o dia a dia da Casa dos Horrores em que Pablo Capilé é rei e profeta: amizades monitoradas, vida afetiva e sexual patrulhada, técnica de assédio a novatos, sexismo, humilhações


Por Reinaldo Azevedo


No post anterior (leiam), anuncio que vou tratar do depoimento de Laís Bellini, que também fala sobre a sua experiência com o Fora do Eixo e Pablo Capilé.

Laís diz ter se sentido estimulada a revelar o que viveu ao ler as revelações feitas pela cineasta Beatriz Seigner, a que este blog deu destaque.

Muito bem! O texto da moça é gigantesco. Mais de 45 mil toques. Essa parece ser, aliás, uma constante das pessoas que conseguem se desligar da seita.

Estão de tal sorte sufocadas pela pressão que decidem falar tudo ao mesmo tempo. Talvez seja a reação natural de quem estava exposto a uma tirania.

Ainda que algumas já tenham deixado o Fora do Eixo há algum tempo, não tinham um canal para se expressar.

Ao contrário: viam Pablo Capilé, o Kim Jong-un do movimento, nos píncaros da glória. 

À diferença da cineasta Beatriz, a estudante de jornalismo Laís (abandonou, à época, o curso para se dedicar à causa!!!) passou a ser uma “interna” da Casa Fora do Eixo São Paulo.

Passou a morar na “comunidade”, submetida à ditadura de Pablo Capilé e de alguns de seus, como posso dizer?, “ministros”. 

O relato é de arrepiar e coincide com outros tantos que estão na rede.

- o Fora do Eixo é uma monarquia absolutista, e é proibido questionar Pablo Capilé;

- Laís relata o que é o dia a dia de pessoas submetidas a uma forma moderna de escravidão;

- a sociedade “Fora do Eixo” é rigidamente hierarquizada, e os que ainda não têm lastro (tempo de casa) só podem conversar com os seus “gestores” (os chefes);

- o contato com as outras pessoas dentro da casa é rigidamente controlado, e as amizades são desestimuladas, censuradas ou mesmo proibidas — nada que desvie as pessoas do trabalho;

- ninguém recebe salário ou algo semelhante; no máximo, as pessoas ganham um “bônus”, uma moeda inventada por Capilé;

- para sair da Casa, é preciso pedir permissão;

- é proibido se relacionar com pessoas que não pertençam ao Fora do Eixo;

- Laís relata o que, tudo indica, parece ser um esquema de fornecimento de notas frias para que o Fora do Eixo justifique gastos — afinal, recebe dinheiro tanto de empresas públicas como privadas (e tem a Lei Rouanet);

- o Fora do Eixo monitora a vida afetiva e sexual de seus internos;

- pessoas são instruídas a assediar novatos, numa técnica chamada de “pós-amor” (???);

- os novatos, fica claro, funcionam como escravos de Pablo Capilé e daqueles que dividem com ele o controle do Fora do Eixo;

- o clima de trabalho se dá em regime de terror, humilhação, xingamentos;

- discriminadas, as mulheres vão para a cozinha; os rapazes discutem política;

- Laís confirma relato feito por Beatriz e diz que Pablo Capilé tem profundo desprezo pela leitura de livros, uma coisa, segundo ele, ultrapassada. 

Abaixo, meus caros, vai um testemunho do que é a Casa dos Horrores. Eu cortei bastante coisa, mas ainda ficou enorme (há o link com a íntegra). Mas vale a pena ler.

Eu havia pensando, nos primeiros dias, que esse tal Fora do Eixo era só, assim, um CPC (Centro Popular de Cultura) fora de época e, claro!, com muito menos qualidade.

Não é, não!

Os relatos que estão na rede dão conta de que estamos diante de algo bem mais complexo e, em muitos aspectos, perigoso. Há um frenético trabalho de cooptação de jovens e, percebe-se pelos testemunhos, de lavagem cerebral mesmo. 

Pablo Capilé, parece, pretende ser uma mistura de Che Guevara pós-moderno com Jim Jones, aquele maluco que conduziu 918 pessoas ao suicídio, em novembro de 1978, na Guiana. 

Recoloco a questão: como é que estudantes universitários descolados, que se querem, vamos ser claros, mais inteligentes do que os “caretas conservadores”, caem nessa conversa e acabam atuando como escravos de alguns espertalhões? 

Estarreçam-se com o relato de Laís. Os entretítulos são deste editor.

O começo e o fim
2011 começou como o que seria meu último ano em Bauru, cidade onde cumpria meu curso de jornalismo pela Unesp, mesma universidade que uniu os primeiros integrantes do Enxame Coletivo, ponto da rede Fora do Eixo por lá. (…) Me encantei, e como sempre faço quando me apaixono por qualquer coisa, me joguei. Fui fundo, bem fundo, tapei meus olhos, cerrei minha boca (fui cerrando aos poucos, melhor dizendo). Meus ouvidos, a cada mês, ficavam mais aguçados (recebiam bem as mensagens vindas de cima) e a mente, mais convencida e dependente… 9 meses depois, antes que chegasse a bater a cabeça no fundo do poço, segurei numa cordinha que pendia perto da minha queda e voltei à realidade. Frustrada sim, decepcionada por demais, mas enfim, voltei a pensar.

Aparece Pablo, o mago
Conheci o Pablo, e ele, obviamente, viu nos meus olhos que eu estava ali, encantada com tudo o que estava ouvindo, conhecendo, descobrindo. Me chamou para uma conversa pessoal (o que deve acontecer com um monte de gente, mas no dia, eu me senti muito importante, e meus próximos ficaram intrigados do porque “O grande Pablo Capilé” queria falar comigo, hoje eu bem sei que ele queria saber mesmo o quanto eu já estava dentro, envolvida, fascinada). Na conversa, fez com que eu me sentisse importante naquela rede, me fez ver o quanto meu papel como “mulher”, como ele dizia, era essencial para que Bauru voltasse com toda a potência como antes (…). Em pouco tempo estava no núcleo duro do coletivo de Bauru, e por consequência, morando na sede de lá.
(…)

Tranca a universidade
(…) Meu último semestre na universidade ia por água abaixo. Liguei pra minha mãe e disse: “Mãe, não vou terminar a faculdade, a universidade não está com nada, vou trabalhar com educação popular, com conhecimento compartilhado, que vai além desse engessamento institucional e blá-blá-blá. Ela, como sempre, tentou me entender e me disse: “Confio em você”. E assim foi intensamente, me joguei por completo. Já fazia parte de reuniões da regional São Paulo, e, com cada vez mais envolvimento e, bem percebido pelo núcleo duro geral da rede, estava sendo muito acionada por integrantes de outros pontos, “pequenos”, da regional São Paulo. (…)

O senhor de tudo
Através de imersões (que aprendemos a fazer durante uma nossa lá na Casa Fora do Eixo São Paulo), começamos a espalhar o conhecimento da rede, as ideias, os vocabulários, os vícios, as dependências, e tudo mais que vem embolado nessa seita, com cara de culturalmente popular, musicalmente descolada, pessoalmente encantadora, internamente… cheio de gente incrível que está cega como eu já estive e com um número contável nas mãos de quem são os controladores e administradores da rede querendo consumir só uma coisa em você: a sua mente. E para quê?! Sinceramente até hoje eu não sei o que é que realmente o Capilé quer fazer da vida dele, nem até onde ele quer chegar. Antes eu pensava que ele queria, sei lá, virar ministro da Cultura, saca? Hoje eu acho que isso tá pequeno pra ele. Ele quer mais, e é por isso que não se diz de partido algum, surfa no mar de vários, tem interlocutor no partido da Marinão que eu sei, tem interlocutor no PT (que é o partido com quem esteve sempre mais próximo), e por aí vai. Hoje eu vejo o Fora do Eixo como uma rede que tá alimentando a imagem do Pablo Capilé, o grande criador da ideia de valorizar a troca de produtos e serviços, o grande criador da moeda solidária, que é o tal maldito “card”. Aliás, na moral, se o Fora do Eixo fosse pagar tudo o que deve em card (e em dinheiro) para os outros, poderia fatalmente decretar falência.
(…)

O convite
Em pouco tempo eu já havia adquirido o vocabulário que encanta quando bem discursado e saía por aí espalhando essa seita São Paulo a fora). No último dia de turnê, o Capilé ligou no meu celular. Perguntou como tava rolando a turnê, como tava minha articulação com os possíveis novos pontos e tal… No fim da conversa disse assim: “Então, o que você vai fazer sábado!?” isso era quinta, eu estava voltando para Bauru. “Eu gostaria que você viesse pra São Paulo sábado, aqui na casa fora do eixo São Paulo… Vai rolar a festa de 10 anos da Fórum e eu gostaria que você estivesse aqui pra participar com a gente”. Puuuuuuuta que pariu! Me senti importante pra caraaaaaalho e olha só que irônico… Hoje, eu vejo essa minha reação como nada mais que uma pessoa que inconscientemente ignorava o propósito horizontal da rede, pois ali eu estava vendo um momento de “subir na rede” como tanto já tinha ouvido falar (…)

Sai sem nada
Sim, tenho amigos ali dentro que me veem como quem desistiu, mas não se dão conta do escravismo que estão vivendo, e aqui eu digo escravismo referindo-me ao mental e ao financeiro. Quem toma coragem pra sair da rede tem que ter algum recurso financeiro para recomeçar a vida do zero, e muitos, que eu sei, ainda enfrentam longas sessões de terapia. Muitos amigos meus preferiram mudar de cidade, mudar de ares, enfim, pra tentar tudo de novo…

A cúpula
Ah, quando eu digo cúpula, falo das seguintes pessoas, que, a meu ver, seguem sua própria escadinha de hierarquização, de poder (lastro, como eles dizem): Pablo, Lenissa, Mari e Carol e Felipe (os dois últimos num mesmo nível). Vejam aqui que isso aqui é mera opinião minha, um peixe pequeno naquele mar cheio de espécies…

Pablo, o infalível
Eu já vi gente que tem mesmo tempo de rede baixar a cabeça, já vi medo estampado no rosto de pessoas que estão ali na mesma dedicação que ele, já ouvi me falarem que tem que ficar quieto porque ele sabe o que tá fazendo e que a gente tem que confiar e não ficar perguntando muito.

Hierarquia – o gestor
(…) a coisa ali funciona bem assim. Comecei a trabalhar então pelo Congresso Fora do Eixo que aconteceu em dezembro de 2011, em São Paulo. A gente trabalhava das 8h, 9h da manhã até às 03h, 04h… E olha que eu não reclamo de muito trabalho quando acredito na causa… Mas o problema que eu vejo é que ali parecia uma nóia coletiva de um querer demonstrar mais trabalho que o outro para o seu gestor. Sim, porque ali dentro havia gestores. A galera nova que chegava tinha seu gestor, dependendo em que área ia trabalhar. Eu fiquei trabalhando com a Carol, na Universidade Fora do Eixo, e diversas vezes eu saquei que o “lastro” da Lenissa era o maior ali entre as meninas, e ela, junto da Mari que já estavam havia mais tempo, ficavam constantemente posicionando a Carol para ela se impor por cima de mim. E aí vem uma lista de coisas absurdas da vivência ali dentro que eu acho que tem que ser explicitada

(…)

Coreia do Norte
Quer fazer crítica!? Faça diretamente ao seu gestor que ele resolve com você. Você quer conversar com seu amigo? Você não pode. Sim, você tem um gestor lá dentro da casa e, sim, você não pode sair por aí conversando com sua amiga que vive e trabalha no mesmo lugar que você. (…) Eu conversei algumas vezes com alguns amigos e, no que se chama lá dentro de “choque pesadelo”, fui chamada várias vezes pra conversas em off, a pressão é forte ali… Na hora, você se sente a pessoa mais errada do mundo, sente que tá fodendo com um propósito muito maior e para de conversar com a sua amiga. Sério… Eu fui proibida, digo proibida mesmo… de conversar com o cara que ali dentro eu considerava ser o meu melhor amigo. A seguinte frase foi dita a mim: “Laís, o Gabriel era seu “amigo” lá em Bauru. Agora ele está aqui para trabalhar com o Felipe. Qualquer coisa que ele precisar ele tem que conversar com o Felipe. Você tem que conversar com a Carol. Vocês não têm que ficar de conversa. Aqui dentro, vocês não são amigos. Vocês trabalham para a rede e em setores diferentes.” Claro que a coisa começou a pesar pro meu lado porque eu comecei a sacar que me tornei uma espécie de vírus ali. Não podia mais conversar com as pessoas que queria, com quem me sentia à vontade. Sinceramente, era muito nítida a falsidade todas as vezes que a Carol ou a Lenissa e a Mari me chamaram pra conversar como “amigáveis”. Mas, quando se está lá dentro, você tem medo, medo de responder, de questionar e acaba acreditando que fazer o que estão te pedindo será melhor para o coletivo. Ou seja, é bom você não conversar com seus amigos ali dentro porque, se conversar, pode ficar espalhando críticas absurdas que são “da sua cabeça”, e isso não é bom… Até porque, na concepção delas, eu era uma garota mimada, de classe média, que não vi o que é sofrer pra crescer na vida e, portanto, não aguentava viver na pressão que a rede tinha pra conseguir se desenvolver. Se eu queria perguntar, eu tava perguntando demais, tava com, como a Lenissa me dizia, “síndrome da aparecidisse”.

(…)

Assediar, catar e cooptar – O pós-amor
Catar e cooptar. Vejam bem, moças e rapazes, se você for considerado um perfil estratégico para estar e entrar na rede, cuidado! Você em breve pode perceber alguma pessoa que vai se aproximar bastante de você, mas bastante mesmo, a ponto de demonstrar muito desejo por você. Quando você está se aproximando, há reuniões que acontecem dentro da cúpula, às vezes com mais uns ou outros, que podem ser indicados para tal ação, para definir quem é a pessoa que tem mais perfil para dar em cima de você e te fisgar pra dentro da rede. Sim, essas conversas acontecem em reunião, e, ali, é definido o nome da pessoa que vai partir pra cima. Cada um aqui que tire a sua conclusão. Tanto sei desse papo que soube ainda que ficaram preocupados quando o cara que foi enviado para partir pra cima de mim não conseguiu, e por isso não sabiam o quanto eu estava me envolvendo realmente com a rede ou não. Só pra pontuar: quando eu ainda estava lá, eu participei de uma conversa na qual propunham que eu tinha de demonstrar que eu estava mais dentro, que eu estava mais entregue à rede, pra que elas pudessem confiar em mim e pra que eu pudesse partir pra fazer ações estratégicas como sair pra catar e cooptar uns caras que considerassem interessante estar dentro. Uma semana depois dessa conversa, eu estava fora. E não se enganem, queridos, o amor tá aí pra ser mais uma ferramenta… seja você um(a) universitário(a), um(a) intelectual, um(a) artista interessante pra eles, um(a) professor(a) bem posicionada politicamente. Não importa, se você é alvo, o “amor”, ou melhor, o “pós-amor” é uma ferramenta.
(…)

Sexismo
Me perguntem qual o sexo do gestor da cozinha. E me perguntem quem sai pra uma ou outra noitada do Fora do Eixo pra dar as caras na festa com uma “galera”.

Confinamento
Com quem você se relaciona?! Não queira estar lá dentro e se relacionar amorosamente com qualquer outra pessoa que esteja fora da rede. Você vai viver aquilo ali e nada mais. Ficar dentro da casa o dia inteiro e só sair quando é necessário para a casa (cumprir alguma agenda da sua frente de trabalho ou, então, se você está escalado para almoço, compras, algo do tipo). Você não vai sair de casa para ir ao cinema, tampouco ao teatro. Você não vai sair pra ouvir um som nem tomar uma cerveja com o seu vizinho. Afinal, você nem conhece seu vizinho, porque não há tempo, espaço, disponibilidade. Você vive dentro da Casa Fora do Eixo São Paulo, e isso é a sua vida. Se você quer visitar seus pais no interior… “Olha, sinceramente, que você tenha um bom motivo. E que não vá pedir dois meses seguidos. Sim, porque ali o verbo era esse. “Posso ir visitar minha mãe essa semana?”, coisas do tipo. Quer encontrar uma pessoa que não faz parte da rede?! Vai inventar a maior mentira pra conseguir sair dali uma noite, e, no dia seguinte, se demorar pra voltar, não tem cara bonita te dizendo bom-dia, não. Ali, é cobrança 24h por dia. Agora, ai de você perguntar por que o Pablo tá saindo. Por que a Lenissa vai passar três dias fora. Você não tem de perguntar. Ela vai sair, vai usar o dinheiro do caixa coletivo, não vai pedir a ninguém o quanto vai usar. Mas, claro!, veja bem, ela tem “mais lastro que você”. O Pablo resolveu dormir até mais tarde e perdeu o voo? Não importa, ele nem se deu a obrigação de cancelar o vôo. “Você vai ligar lá, Laís, vai dar um jeito de trocar a passagem.” “Mas já passou a hora do check in” “Não importa, troca, ou compra outra, tem que comprar outra, rápido, Laís, já resolveu (o gtalk bombando!!!)? Vai, Laís, vai logo, menina! Tá lerda hoje! Você é lerda mesmo né? Parece retardada”. Sim, você fica na função de comprar 70 passagens aéreas e não para durante 4 dias, fazendo todas as cotações possíveis e impossíveis. (…) “Laís, você é retardada, NÃO TÁ OUVINDO O QUE EU TÔ FALANDO?” É nesse nível!
(…)

Curtir o Pablo
Eu já estive lá. Já vivi momentos em que aparecia um texto com crítica ao Fora do Eixo e aparecia o Pablo sala por sala ou recebíamos a informação via gtalk: “Escrevam aí sobre o quanto você curte estar vivendo isso aqui, o quanto a gente faz coisa massa”, e aí, como mais uma demanda, em 15 minutos, o Facebook tinha 300, 400, 500 textos com esses mesmos tantos de curtir e compartilhar. É bom lembrar que curtir e compartilhar coisas que o Pablo e mais outros por lá escrevem no Facebook é demanda diária. Mas, quando você está lá dentro, parece mais que você está defendendo a causa da rede, que por mais que você tenha crítica, todo mundo tá ali pra algo maior.
(…)

Proibido falar com estranhos
Eu já cheguei a ouvir da Carol (e sinto muito que são fortes recomendações da Lenissa e do Pablo) coisas do tipo: “Com quem você está conversando aí no Facebook, Laís? Esse cara nem é do Fora do Eixo. Quem é ele?! Por que você está conversando com ele?” E, veja bem, ai de você perguntar alguma coisa a Pablo, Felipe, Mari, Lenissa, Carol no mesmo nível de prepotência. Ai de você querer saber com quem o Pablo conversa horas de porta fechada. Qual o assunto da conversa fechada em gtalk entre eles e assim por diante.
(…)

Armação para xingamentos
Eu sei que, depois disso que tô escrevendo, vai aparecer muita gente dizendo que é tudo mentira, que sou rancorosa, mesquinha, filha de mamãe e blá-blá-blá. Ok, ok, eu também já escrevi textos dizendo que tal pessoa era rancorosa, mentirosa e que eu era pós-rancor. Eu sei como funciona, apesar de ter passado só 9 meses na rede, pouco tempo na Casa Fora do Eixo São Paulo, ter tido pouco “lastro”, foi bem mais que o suficiente para me implodirem lá dentro ao perceberem que eu estava despertando, claro.

Vida amorosa patrulhada
Sim, me distanciaram dos meus amigos. Me questionaram sobre minha vida amorosa. Disseram pra eu não me relacionar com tal pessoa porque “este não é o momento de você se relacionar com tal pessoa. É o momento de você trabalhar para subir na rede, para adquirir lastro, para ter espaço pra falar, pra conquistar essas coisas, você tem que assumir esses papeis”. “Laís, por que você tá indo caminhar todos os dias no Parque com a Bianca? Acho que vocês duas estão conversando muito. Não é para vocês ficarem conversando muito”. “Laís por que hoje você ficou de risadice com os meninos na cozinha!? Você é mulher, tem que se posicionar como tal, não é pra ficar de conversa, de risada com ninguém na cozinha. Vai na cozinha porque tá com fome. Pega o que tem que comer e voltar a trabalhar. Não tá vendo que tá todo mundo aqui focado!?”.
(…)

Mais trabalho escravo sem cultura
Na moral, o que é se “posicionar” como mulher? E foco? Ali é passar o dia inteiro fazendo marketing online do Fora do Eixo. Toma banho rápido. Vai no banheiro correndo. Ninguém na casa lê livro algum, porque não dá tempo, isso não existe. E, ainda mais com o discurso do Capilé de que ler é perda de tempo, que agora a comunicação está mais dinâmica, que a gente usa o Facebook pra ter informação de tudo e que isso basta, juntando um ou outro artigo e tal que você vai ler porque obviamente estará falando do Fora do Eixo, e sim, isso é tudo. Cinema… tem um clube de cinema dentro da rede, e marcávamos uma vez por semana (que era nossa hora de descanso da semana) para assistir a algum filme. Mas, sim, rolava uma puta pressão psicológica e disfarçada. Porque, na real, se a sua gestora não vai assistir, por que você vai?! Você tem que trabalhar e trabalho ali, meu amigo, não tem fim.
(…)

O dinheiro: nota fria?
O Fora do Eixo é uma rede com vários coletivos. Quando existia em Cuiabá o Cubo, eles tinham uma associação, a Asprogic, cuja presidenta, se não me engano, é a Lenissa. Em São Carlos, uma outra associação existia e se chamava Associação Caminho das Artes, cuja presidenta, depois de um tempo, se tornou a Carol. A partir disso, tem-se, ali dentro da cúpula do Fora do Eixo, duas pessoas que são presidentas de duas associações, portanto, que podem emitir notas, e podem emitir, portanto, notas de serviço a outras organizações. Organizações tais que podem ser, por exemplo, o Fora do Eixo, que recebe dinheiro público por editais ou relações diretas com empresas privadas como a Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Oi, etc. Quem recebe dinheiro para apoiar atividades culturais tem que justificar os gastos. Por exemplo, então, a associação Caminho das Artes pode prestar um serviço ao Fora do Eixo e emitir uma nota sobre sua atividade prestada a tal organização, que vai servir de justificativa ao que o Fora do Eixo tem que apresentar ao governo ou a empresas que o apoiam.

A vida cotidiana: Pablo, o monarca
Pergunta pra Ivana Bentes e pro Claudio Prado se eles vão sair de suas bem acomodadas e “media ou alto classeadas” casas e vidas para ir viver numa casa Fora do Eixo, dividir seu quarto com mais 8 pessoas, suas roupas com mais 20, 30 pessoas, seu sabonete com mais 22, sua bermuda com mais 15 caras, vai lavar a louça do almoço pra 80 pessoas e o prato do Capilé (que eu nunca vi lavar uma louça em todo tempo que estive morando lá, “mas calma lá, Laís, ele tem coisa mais importante pra fazer”). Também nunca vi Carol, Lenissa e Mari fazer um almoço, uma janta. Ops, vi sim, acho que duas vezes, quando deu uma vontadezinha de fazer uma coisa diferente. “Mas, Laís, deixa de ser mesquinha, egoísta, você acabou de chegar, tá perguntando coisa demais, fica de boa, vai de boa”. Eu nunca vi Mari, Lenissa, Carol, Pablo, Felipe levantar da cadeira pra lavar um banheiro pós-domingo na casa… E nunca vi também alguém ter coragem de pedir pra eles ajudarem, sendo que batia final de domingo na casa, e o resto da casa toda levantava e ia limpar a parte inteira externa pra ficar limpa porque, na segunda-feira, a vida e o trabalho continuam. Eu nunca vi nenhum deles sair pra fazer compras.
(…)

Monarquia absolutista
O Fora do Eixo é uma das estruturas mais engessadas que eu conheço na minha vida; “ditatorial” diria eu. Com seus ministros e seu presidente muito bem autointitulado rei-mor da bancada. Diria mais: ali se vive uma ditadura monárquica, com toda a sujeira de autoritarismo de milhões de outras caras bonitas que possa haver num governo que se descreva como tal. Monárquica porque o Pablo é um rei lá dentro. Só não parece porque ele não se importa muito em demonstrar e porque também, pô!, é bem descolado aparecer como um cara de boa, que não liga pra roupa que tá vestindo, tá sempre tranquilão… É o pós-rei-cult. E digo ditatorial porque a única coisa que eu consigo associar com o medo que existe nas pessoas em questionar o poder da cúpula é a ditadura.
(…)

Ameaças a quem sai
Eu espero que mais gente tenha a coragem da Beatriz, a minha coragem e a de tanta gente que ainda vai aparecer, cada uma a seu tempo, cada uma no seu espaço, porque abrir a boca pra falar disso aqui não é fácil, não. Sim, eu tenho amigos que já foram ameaçados e não venham pedir nomes, cada um vai falar da sua experiência a hora que bem entender.

Dívida e estelionato
Saí com o Fora do Eixo me devendo pouco menos de 5 mil reais (não em card, em real mesmo…). Negociei com eles porque muita coisa diziam que era “investimento meu na rede” e diziam ainda que, no fundo mesmo, eu que devia pra eles pelo tanto de coisa que eu aprendi enquanto estive na rede. O que toparam pagar segue: passagem aérea comprada no cartão de crédito da minha mãe, meu limite do cartão que ficou negativo, mais de 8 multas no período de um mês com meu carro circulando São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Sendo que eu não considerei, por exemplo, cobrar a batida no carro que acabou com uma lateral, devolvi o carro pra minha mãe assim mesmo, um ano de 3G no meu cartão e mais. Eu não queria mais ficar debatendo, fechei em cerca de 3 mil reais. Sò vi a cor de 500 reais, e já trocamos incansáveis 57 e-mails. A resposta sempre é que o orçamento, o caixa, não deu pra fechar, pra pagar esse mês. Lembrando ainda que colocaram meu nome no Serasa por não pagarem uma conta de um celular que não era meu, mas estava no meu nome, mesmo depois de eu ter saído, e eu é que fui pagar essa conta um ano depois pra que meu cartão fosse liberado, e meu nome, limpo. Eu saí do Fora do Eixo em fevereiro de 2012. Estamos em agosto de 2013. E que aqui cada um pense o que quiser.

Desqualificação
Cada um sai da casa com uma TAG. Lembro que tinha a ?#?traíra?, o ?#?filhodaputa?, eu sai como a?#?desistente?, sei que, depois de mim saiu, a ?#?loca? e por aí vai. Pra cada um que se vai, eles justificam com um milhão de defeitos da pessoa (…). Até quando eu estava lá, tinha uma frase do Pablo pra quando alguém saía: “pode ir, pra cada um que sai, chega 10 a mais”. A coisa já não tá mais bem assim. As pessoas estão acordando, e eu espero que esse meu relato seja mais um despertar. Eu sei que, depois deste texto, podem rolar diversas reações da Casa. Ou eles vão ignorar ou vão retaliar a minha pessoa como bem tentam fazer. Podem falar, podem gritar. Pode ser que doa dependendo de quem escreva, até porque, de lá de dentro, eu ainda guardo carinho de muita gente, mas o meu papel hoje tá sendo social, de despertar o olhar de quem tá vendo de fora e também de quem não tá vendo de dentro. Que fique claro que, quando eu trato de Fora do Eixo, eu não tô generalizando as pessoas da rede que fazem parte dela, como eu fiz, eu tô falando de quem a comanda, quem a organiza, quem a vê como ferramenta estratégica para chegar eu não sei aonde.
(…)

Humilhação
Quando eu saí da casa, pedi pra sair tranquila, avisei a Carol que eu não queria alarde, que eu não estava bem, tinha passado dois dias acordada, pensando na atitude a tomar. Não aguentava mais a pressão, não queria mais estar ali, só queria ir embora tranquila, sem discutir, sem problemas. A resposta pra esse meu pedido foi colocar as 22 pessoas que viviam comigo e mais umas outras que estavam ali na casa no dia na minha frente numa reunião geral. Descer uma enxurrada de argumentos, aos quais eu não estava afim de responder. Esquentaram meu psicológico até eu não aguentar mais. Eu só chorava, queria sair dali, sem problemas, sem mal-estar. As pessoas ali me olhavam com cara de “coitada, desistiu!”, e a cúpula, mais precisamente Lenissa e Mari, com uma certa cara de que eu era lamentável, falando com arrogância (…) De verdade, eu mal me lembro do que me disseram naquela noite. Eu só queria sair dali e me mantiveram ali, como se eu tivesse que bater cartão pra galera, já que eu estava saindo. Fizeram isso comigo porque eu não tava saindo de lá sabendo de nada demais que pudesse comprometê-los. Eu era só um peão ali dentro. Quem sabia muito, eles fizeram sair na surdina. Da noite pro dia, como rolou com muita gente que ainda não se sentiu à vontade pra falar, mas que, com certeza, tem muito mais que eu pra contar. A mim me colocaram diante de todos ali que eram meus amigos, até então alguns bem próximos, e perguntaram: “Por que você tá saindo, Laís?” Eles sabem que o estado em que eu me encontrava, psicológica e emocionalmente, não daria condições para que eu contra-argumentasse e puxasse um debate coletivo ali. Hoje, como diriam os Doces Bárbaros, de “pé quente e com a cabeça fria”, eu lhes dou essa resposta.

A última fala daquela conversa foi, obviamente, do Capilé: “Laís, independente de qualquer coisa, a gente vai se cruzar por aí, tenho certeza”. E, sim, Capilé, é aqui que a gente tá se cruzando de novo. Eu aqui, você aí.”
Laís Bellini  

10/08/2013

De: Resistência Democrática < noreply@... >
Para: sulinha3@ig.com.br
Assunto: Resistência Democrática


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