17 agosto, 2013

Ele é o samba - Monarco

Cantor, compositor e ícone da Portela, o sambista Monarco comemora 80 anos de vida, disposição e maestria



Sem agrotóxico
Monarco faz amanhã 80 anos, dos quais 70 são dedicados a sua amada escola, a Portela
PUBLICADO EM 16/08/13 - 03h00
É um fato raro conseguir falar com um artista de peso sem a blindagem de produtores e assessorias de imprensa. Nomes consagrados da MPB frequentemente atendem de modo impessoal, por e-mail, e algumas revelações da música, depois de ovacionadas, tratam a entrevista como uma penosa obrigação. Monarco, mestre do samba, foge a essas regras. Ele atende a ligação já no segundo toque. Ao ser perguntado se preferia agendar um horário mais conveniente, responde com simpatia: “posso falar agora, será um prazer”.

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O bamba está às voltas com a grande festa que vai acontecer neste sábado (17) na quadra da Portela para comemorar seus 80 anos de vida. “Estou animadíssimo. Pode falar para a turma chegar lá que será bem recebida”, avisa.

Ele começou a frequentar as rodas de samba cariocas ainda criança. São nada menos que sete décadas vestindo as cores azul e branca. “É a minha paixão. Ali me casei, ali participei dos momentos mais importantes da minha vida. Será uma grande maravilha”, diz o artista, que mantém uma rotina pautada por composições, agenda de shows, o Carnaval, claro, e encontros com os amigos da Velha Guarda.

“A gente se encontra na casa das tias, da Dona Neném sempre. Todo primeiro sábado de cada mês tem a tradicional feijoada da Portela. Fazemos samba o tempo todo. Nosso lance é cantar, alegrar o povo, defender a Portela”, explica o autor de clássicos como “Dolores”, “O Samba Nunca Foi de Arruaça”, “Passado da Portela” e “Baile no Jardim”, que contam com parceiros como Alcides Malandro Histórico, Candeia, Paulo da Portela, o filho, Mauro Diniz, dentre outros.

Quem já viu Monarco e a Velha Guarda no palco dificilmente segurou a emoção e os pés. “Essa é a nossa intenção. A gente faz tudo espontaneamente. O nosso samba é puro, do nossos ancestrais, nós crescemos aprendendo e passando adiante. Acho que é por isso que os jovens gostam e cantam junto. Samba quando é verdadeiro fica para sempre”, diz.

Ainda que muitos apontem as décadas de 30 a 50 como auge, Monarco é um artista cujo tempo é agora. “A grande alegria que Deus me dá é o vigor de, aos 80 anos, subir no palco e cantar o samba que sai do meu coração. Subo e desço feliz. Isso que me dá vida. Música é tudo pra mim. Eu ganhei o Prêmio da Música Brasileira neste ano como o melhor cantor de samba. Mas para mim não tem prêmio ou dinheiro que pague a alegria de mostrar um novo samba que eu compus para meus companheiros. No samba nasci, no samba hei de morrer”.

Azul do céu e do mar. A fidelidade com a qual Monarco fala da Portela é comovente. “Ela é na verdade a estrela disso tudo. Se o Paulinho da Viola, por exemplo, fizer um show e não cantar ‘Foi um Rio que Passou em Minha Vida’, a apresentação não está completa. Comigo é a mesma coisa. Se eu não cantar meus sambas que foram ou não para a avenida, o desfecho não é grandioso. A Portela torna tudo mais bonito”, elogia.

Monarco explica que poderia passar a tarde inteira falando sobre a escola e, mesmo assim, não seria o suficiente. Ele, porém, destaca dois momentos singulares. “Quando a escola ganhou o supercampeonato em 1953 foi um deles. O outro foi quando vi cantarem o meu samba de terreiro, que não era samba-enredo. Ele fez muito sucesso na escola e acabou sendo escolhido para abrir o desfile. Desde garoto eu tinha esse sonho, mas não pensava que fosse acontecer. Quando eu vi as baianas, os passistas na avenida e os sambistas tocando foi maravilhoso”, lembra.

A composição em questão, “Retumbante Vitória”, também chamada de “O Passado da Portela”, foi gravada por João Nogueira em 1977 no disco “Espelho” – além dele, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Clara Nunes, Maria Creusa, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho gravaram sambas de Monarco, mostrando que a profusão de cores sempre é possível quando se trata de música de qualidade.

O que torna o samba desse mestre da Velha Guarda, de seus antecessores como Zé Keti e sucessores da nova geração tão especial? Monarco não titubeia. “Nossa música é puro suco, sem agrotóxico. Se você quer que eu te conte um segredo, aí está. E como eu já disse, cantamos com o nosso coração e ele tem o azul e branco da Portela.

Assim, tudo tende a dar certo, seja num terreiro, numa festa ou na avenida. É a nossa união que faz a força. Se você vier para a festa no sábado, irá entender um pouco disso”.
Trajetória
Aos 6 anos de idade, Hildemar Diniz, filho de marceneiro recebeu o apelido de Monarco. O bamba da Portela nasceu no Rio de Janeiro, no bairro de Cavalcanti, e foi criado em Oswaldo Cruz, onde frequentava as rodas de samba. Aos 10 anos, já escrevia suas primeiras letras de música. Em 1950, ingressou na Ala de Compositores da Portela, tendo como padrinho o Alcides Malandro Histórico, de quem tornou-se um dos principais parceiros.