25 julho, 2013

PLURAL E SINGULAR, DOMINGUINHOS DEIXA UMA LACUNA IMPREENCHÍVEL DENTRO DA MÚSICA BRASILEIRA



Herdeiro maior da dinastia de Luiz Gonzaga, Dominguinhos deixa como artista um legado ímpar para a música brasileira e como ser humano um exemplo de simplicidade e generosidade a ser seguido.

Por Bruno Negromonte



Quem passou uma vida inteira encantando, agora resolveu encantar-se. Dominguinhos deixou ontem, aos 72 anos, uma lacuna eterna dentro da música brasileira a partir de uma obra inextinguível. Seu carisma, simplicidade, solicitude, generosidade e tantos outros adjetivos característicos de grandes homens fazem-se presente na vida e obra deste artista nascido a 228 km da capital pernambucana, na cidade de Garanhuns e que desde muito jovem teve o seu destino traçado com Luiz Gonzaga, aquele que seria a sua maior referência artística e pessoal. A apresentação entre eles se deu nos idos anos de 1940, quando no Hotel Tavares Correia o então Neném, aos 7 anos, apresentou-se ao famoso artista com os seus irmãos Moraes e Valdomiro acompanhado de um pandeiro. O pequeno artista talvez não mensurasse que a partir daquele encontro sua vida estaria mudada para sempre pois ali estava sendo fecundado, através de um cartão dado, o cerne de um legado que Dominguinhos levaria por toda a vida e com muito orgulho: a responsabilidade de seguir com o legado musical do velho Lua.

Para amenizar as adversidades vividas pelos pais, Neném apresentava-se ao lado dos irmãos, e juntos formavam o grupo Os Três Pinguins tocando os mais diversos ritmos pelas feiras e espaços públicos de sua terra natal em busca de angariar recursos para o sustento familiar. Depois de uma breve passagem pela capital pernambucana, seu pai, Chicão, assim como muitos nordestinos acredita que a prosperidade encontrava-se no Rio de Janeiro, então capital federal, e resolve que era a hora de seguir para lá seguindo em pau-de-arara (meio de transporte muito utilizados na época e que consistia em caminhões adaptados para o transporte de passageiro entre o Nordeste e o Sudeste do país). Foram cerca de 11 dias "comendo farinha e carne seca pelas estradas", como costumava dizer o músico. Ao chegar no Rio de Janeiro uma das primeiras providências de seu pai foi ir em busca do endereço existente no cartão dado por Gonzagão quando eles encontravam-se ainda em Garanhuns. Assim como prometido, foram recebidos pelo artista em sua residência no Méier e de cara já ganhou uma pequena sanfona. Ali, em 1954, nascia uma amizade que duraria até 1989, ano em que o rei do Baião veio a falecer.
Porém é possível afirmar que Dominguinhos traçou, de modo paralelo ao seu envolvimento com a vida e obra de Gonzaga, a sua própria história; e acabou tornando-se responsável pela efetiva urbanização do gênero que defendido por seu mestre, somando-se aí um virtuosismo adquirido não apenas pela convivência com suas referências musicais, mas também por sua experiência como instrumentista na noite carioca. Apesar de ganhar projeção nacional tocando os ritmos genuinamente nordestinos (assim como fez seu mestre maior) o sanfoneiro não cerceou outros gêneros e ritmos existentes. A prova maior disto e possível encontrar já em "Fim de festa" seu primeiro disco datado de 1964. Neste debute fonográfico é possível identificar de sua autoria dois gêneros distintos: o frevo e o choro. Em um álbum repleto de compositores entre as 12 faixas existentes, o estreante assina o "Frevo Cantagalo" e o choro "Garanhuns", mostrando uma forte personalidade musical. A partir daí não só gravou, de forma sublime, os mais diversos ritmos como também os compôs. Valsas, boleros, fados, xotes, baiões, frevos e mais uma gama sonora desmedida fazem parte do legado deixado por esse ilustre garanhuense. Em "Luar Agreste - No céu Cariri" (último trabalho autoral em parceria com o compositor Xico Bizerra) é possível comprovar e conhecer um pouco dessa diversidade sonora irrestrita, mostrando assim que sua indelével obra foi marcada pelo ecletismo do início ao fim.

A partir dos anos de 1970 acabaria acompanhando alguns dos grandes nomes da MPB em algumas turnês tal qual Gal Costa (Índia) e Gilberto Gil (Refazenda); além de iniciar uma das mais profícuas parcerias de sua trajetória musical com Anastácia, sua primeira esposa e co-responsável por clássicos como "Eu só quero um xodó", um dos maiores sucessos da carreira de ambos e que depois ganharia mais de 250 regravações. Daí em diante se tornaria parceiro de alguns dos maiores nomes da MPB tais quais Fausto Nilo, Gilberto Gil, Capinan, Chico Buarque, Djavan, Ednardo, Climério, Clodô, Chico Anysio, Nando Cordel (com quem enumerou diversos sucessos), Manduka (parceria que resultou na canção "Quem me levará sou eu", vencedora do Festival da TV Tupi em 1979). Desse modo Dominguinhos foi capaz de fazer de sua arte um porto seguro para muitos artistas, agregando de forma coerente valores a responsabilidade delegada por Gonzaga ampliando-a dentro da abrangência que o seu talento permitiu nessa trajetória de mais de 50 anos de estrada, mais de 40 discos gravados, centenas de participações em outros projetos, duetos antológicos, dois Grammys Latino em vida (um por "Chegando de mansinho", em 2002, e outro em 2010 por "Iluminado") e outro póstumo.

Dominguinhos era isso. Plural por abranger em seu ofício tudo aquilo que agregava valores e era capaz de beneficiar aos seus. Singular porque não há músico com valores tão marcantes quanto ele. E Por mais homenagens que prestemos nada substituirá ou amenizará a falta que fará a cultura nordestina. Nesta eterna lacuna, resta-nos amenizar a dor da saudade com o seu legado cientes que se Gonzaga era Rei, nesta dinastia Dominguinhos se fez príncipe de fato e por direito em uma hierarquia que infelizmente não há sucessor. Desse modo, assim como fez o poeta, o príncipe Dominguinhos cansou de ser moderno e resolveu que seria eterno ao lado de uma dinastia que já conta com Gonzaga (Rei do Baião), Jackson do Pandeiro (Rei do ritmo), Marinês (Rainha do xaxado) e Carmélia Alves (Rainha do Baião).
Vai Príncipe, torna-se também eterno tal qual a sua obra e os seus ensinamentos, pois fica aqui entre nós a certeza que você cumpriu fielmente a missão delegada por seu mestre maior. Fica entre nós no quadro de nossa memória o seu sorriso largo e espontâneo. É hora de descansar seu Domingos! Segue, que o teu caminho é de luz! Vai olhar lá de cima o legado que você ajudou também a cultivar de modo tão brilhantemente e não esquece de olhar por esse povo tão sofrido de um Nordeste que você conheceu como ninguém. 
Posted: 24 Jul 2013 02:38 PM PDT

Por Luce Pereira



Sempre achei que Dominguinhos trazia o Sertão nos olhos. Mesmo naquele 10 de março de 2008, quando entrou devagar na Casa de José Mariano para receber o título de Cidadão do Recife, uma iniciativa do ex-verador Luiz Helvecio. Entrou vestindo paletó e gravata, sem conseguir esconder a enorme fragilidade nascida de uma cirurgia recente em um dos pulmões. Mesmo assim, metido naquela roupa que não combinava com sanfona nem chapéu de couro, trazia o Sertão nos olhos.
Chorou várias vezes, desde a entrada no salão, quando foi saudado pela Banda da Polícia Militar de Pernambuco com a música De volta pro meu aconchego. Era emotivo como um menino e muito triste, também, segundo diz o autor da homengem, a partir do que ouviu de um amigo do artista. Ao final, Dominguinhos agradeceu com a voz que sempre o guiou - a da sanfona.

De Pernambuco, levou muitos momentos felizes, mas, também, alguns em que, já fragilizado pela doença, se viu preterido na grade de programação do ciclo junino do Recife após ter sido convidado a tocar. Foi preciso o prefeito intervir, depois da grita geral. Outra vez, na mesma época, teve o show no Sítio da Trindade colocado para 01h, quando costumava se apresentar bem mais cedo em respeito ao perfil do seu público. A bondade e a delicadeza impediam que estrebuchasse, desse chilique, lembrando a estatura artística que tinha. Eram sempre os amigos a gritar por ele. Inútil lembrar os tijolos colocados por seu talento no sólido edifício em que se sustenta hoje a música popular brasileira.

Foi um mestre em seu ofício, com a humildade e a generosidade que só os verdadeiros mestres conseguem ter. Era de se esperar que nunca se visse diminuído pela infindável figura de Luiz Gonzaga, a quem acompanhou como faz um discípulo ciente do próprio valor. Só agora sai o Sertão dos olhos de Dominguinhos, que foi ali, tirar um cochilo. Não vai voltar simplesmente porque não irá nunca. Sua música e as lições de amor pelas raízes não deixam.

Fonte: Diário de Pernambuco


De: Musicaria Brasil <noreply@blogger.com>
Assunto: Musicaria Brasil

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