01 junho, 2013

Faroeste Caboclo: um pouco da história contemporânea do Brasil

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Finalmente chegou aos cinemas o tão aguardado filme “Faroeste Caboclo” – longa baseado na canção do mesmo nome, sucesso com a Legião Urbana – uma das bandas-síntese do BRock nacional dos anos 1980 no Brasil. “Faroeste Caboclo” foi composta por Renato Russo – vocalista e líder da Legião Urbana – em 1979, quando 10o Brasil ainda vivia numa ditadura militar, sendo de fato lançada apenas em 1987 no álbum “Que país é este?” Com 168 versos e aproximadamente 9 minutos de duração, a música é uma síntese do que foi a história contemporânea do Brasil. Analisada de modo mais profundo, é o retrato de uma geração, nascida quando o países já vivia no regime de exceção. Há vários ingredientes naquela poesia concreta de Renato Russo – e qualquer brasileiro que hoje tenha mais de 30/35 anos saberá reconhecer um pouco de Brasil ali: injustiça social, autoritarismo, racismo, dependência das drogas, desemprego, corrupção…

A trama gira em torno da história de três personagens, que se cruzam: João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira), Maria Lúcia (Isis Valverde) e Jeremias (Felipe Abib), respectivamente o migrante nordestino que vai tentar a sorte numa cidade grande – no caso, representada por Brasília, capital da República erguida há pouco tempo no meio do Planalto Central – , uma moça da alta classe média e filha de um pai autoritário, e o traficante de drogas, que é dono do pedaço no ramo de revenda de entorpecentes nas festas de rock do Cerrado. Há ainda outras personagens que acrescentam na qualidade da trama, como Pablo (César Troncoso) – um peruano que vivia na Bolívia e trabalha como traficante em Brasília – um senador e pai de Maria Lúcia (Marcos Paulo, em seus últimos momentos de vida, antes de falecer) e um policial corrupto e desonesto (Antônio Calloni).
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João é de Santo Cristo, uma cidade localizada no meio do nada, no árido sertão da Bahia. Injustiçado pela vida – assiste o assassinato do pai (Flávio Bauraki, outro excelente ator sumido das telas) e a morte da mãe, de fome, num ambiente inóspito e carregado de desesperança e miséria. É possível traçar um paralelo entre a trajetória de João e a de milhares de nordestinos que pegaram a estrada rumo às grandes cidades do sudeste, em busca de trabalho e ascensão social. Migrantes uma vez situados na esfera das selvas de pedra acabaram se rendendo à opção da marginalidade, diante das poucas possibilidades para subir na vida: analfabetismo, desemprego maciço e arroxo salarial – um cenário bastante similar ao do Brasil em fins do período ditatorial e início da redemocratização. Ou também os nordestinos que viajaram até Brasília para recomeçarem suas vidas na capital da República, sinônimo de um novo tempo de vida.

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Maria Lúcia representa a juventude controlada, mas no íntimo desestimulada diante das possibilidades. Uma juventude que crescia tutelada, seguindo o roteiro traçado pelos pais. É a mesma geração de Renato Russo, que não sabe bem o que fazer diante das situações pré-estabelecidas até finalmente fazer suas escolhas. Maria Lúcia estuda Arquitetura e Antropologia e tem o sentimento de conformismo, embora deseje algum tipo de mudança. Há, ali, o conflituoso confronto de gerações, num embate silencioso e negociado com o pai, um importante senador (da ARENA?), intolerante, autoritário e racista, que não permite que João de Santo Cristo (negro, pobre e desempregado) freqüente sua casa. O senador é o estereótipo perfeito da elite e classe média que ainda hoje, faz distinção entre freqüentadores de elevador social e elevador de serviço. Representa aqueles que dizem não ser racistas, mas que no fundo não toleraria ver a filha (ou filho) casando com um afro-descendente. há um tanto de hipocrisia naquele ambiente, onde o pai chega em casa, se comunica com a filha por trás da porta e relaxa ouvindo jazz e sorvendo um uísque 12 anos com gelo.

Há também a corrupção e a violência policial – a polícia que faz distinção entre ricos e pobres, brancos e negros. A justiça – até hoje – é para alguns. A corrupção reina – sempre reinou – na ditadura e nos tempos modernos. Ao assistir a performance de Antônio Calloni como o policial violento e corrupto, não há como não dissociá-lo de figuras como Mariel Mariscott (Scuderie Le Cocq – uma espécie de esquadrão da morte, criada em meados dos anos 1960 para vingar a morte do detetive Milton Le Cocq, e que atuou nas décadas seguintes) e Sérgio Paranhos Fleury (delegado que comandou a Operação Bandeirantes – OBAN – e perseguiu inimigos da ditadura militar no Brasil). O policial do filme talvez seja uma mistura dos dois – e o retrato de muitas autoridades que ainda hoje são policiais e têm o sentimento de boçalidade presente.
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“Faroeste Caboclo” é, portanto, o retrato não apenas do microcosmo de Brasília nos anos 1970, mas também o cenário de uma sociedade conflituosamente moderada, onde a conformidade e a esperança caminhavam juntas, lado a lado. Certamente, a mesma sociedade que hoje, 34 anos após a letra da canção ser concebida, ainda se pergunta: “Que país é este?”

FAROESTE CABOCLO – TRAILER OFICIAL EM HD:
FAROESTE CABOCLO – LEGIÃO URBANA:

De: "Blog do Fabrício" <donotreply@wordpress.com>
Assunto: Sumário do dia para junho 1, 2013
Para: sulinha3@yahoo.com.br