30 maio, 2013

Nada acontece nas prisões que não passe pela intermediação do PCC, diz socióloga

Autora de livro conta como facção que nasceu em presídios se espalhou pelo País. ‘Não somos uma organização criminosa. Somos uma organização de criminosos", diz integrante

Escrito depois de quatro anos e meio de pesquisa, o livro PCC - Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência (Editora Saraiva, 415 páginas, R$ 118,00), da socióloga Camila Caldeira Nunes Dias, da USP, mostra que o governo de São Paulo vem sendo derrotado pelo crime organizado. Consolidado depois de 20 anos de atuação, o PCC domina as prisões como força paralela ao Estado, controla a economia subterrânea alimentada pelo tráfico de drogas e está se expandindo para outras regiões do País.
AE
Inscrições do PCC pichadas em um cômodo de uma casa incendiada na Grande São Paulo
“Nada acontece nas prisões paulistas que não passe pela intermediação do PCC”, sustenta Camila, que entrevistou 32 detentos e ouviu dezenas de funcionários e dirigentes do sistema prisional paulista. Ela situa a trajetória da organização em três fases distintas para se firmar como contraponto à política prisional paulista e força econômica organizada a partir das atividades criminosas.
A primeira fase, que ela chama de conquistas, vai de 1993 a 2001, quando o PCC, voltado para os problemas carcerários, transformou as prisões numa espécie de QG do crime, promovendo a onda de violência, com rebeliões e mortes; a segunda é a da publicização, entre 2001 e 2006, marcada por ações de impacto e que chamaram a atenção para a existência da organização; e, por último, a consolidação, entre 2006 e 2013, que representa o controle efetivo das prisões e sua expansão para fora dos muros do sistema prisional, com penetração na economia informal da cidade através de atividades criminosas.
Divulgação
Capa do livro PCC - Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência
Camila sustenta que o PCC exerce o controle sobre 90% da massa carcerária paulista, de cerca de 200 mil detentos, e é gerido por uma cúpula formada por dez presos, todos eles confinados na Penitenciária de Presidente Wenceslau. Esse grupo funciona como uma espécie de conselho deliberativo, repassando às unidades prisionais as diretrizes para a solução de conflitos comuns no sistema, executadas por integrantes que se esparramam pelas 150 unidades prisionais.
O poder de fogo da organização está na aliança e compromisso com bandidos em liberdade que, segundo ela, controlam a distribuição de drogas (cocaína, crack e maconha) e executam as ordens emitidas de dentro das prisões. Geograficamente, a estrutura segue os moldes da administração pública, com um representante, chamado na gíria criminal de “Sintonia”, responsável por cada área da cidade. O código é definido por “DDD”, seguido de um número correspondente à região de domínio de cada grupo.
Em fase de crescimento no País, a organização já tem ramificações em Estados como Paraná, Sergipe, Bahia, Pernambuco, Ceará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, este último, de vital importância por se localizar na fronteira com Paraguai e Bolívia, passagem do grosso da cocaína que chega a capital paulista. Camila diz que parte dos lucros do tráfico é lavada em atividades como transporte alternativo, postos de gasolina e revenda de automóveis, uma clara proximidade com atividades formais que pode evoluir para relacionamento com grupos políticos através do financiamento de campanhas eleitorais.
“O perfil do PCC não tem paralelo. É uma organização sui generis: não é um cartel, não se parece com a máfia e nem tem as características das gangues americanas tradicionais. Perguntei a um deles o que é o PCC e ele respondeu: ‘Não somos uma organização criminosa. Somos uma organização de criminosos. Nossa finalidade é social, mas o meio é o crime. É assim que a gente ajuda os mano’, disse ele. Isso quer dizer que o crime e a economia do crime não são suficientes para explicar o que é o PCC”, alerta a socióloga.
Embora a constatação contrarie frontalmente o governo, que sequer reconhece a sigla da quadrilha, o PCC tem um apelo ideológico e uma aura de insurgência contra o estado. “O apelo dá ‘liga’. O trabalho social e ideológico é responsável pela união da massa carcerária contra o estado”, alerta. No plano da violência, o confronto armado se reflete no enfrentamento com a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), o grupamento de choque da PM, numa relação de ódio recíproco cujo resultado são as baixas do ano passado em ambos os lados: 93 policiais militares e dezenas de criminosos, a maioria sem vínculo com a linha de frente de nenhum dos grupos, mas mortos nas recorrentes retaliações.
Segundo a socióloga, a decisão do governo em colocar a Rota para com bater o PCC foi desastrosa. Os episódios do ano passado mostraram, segundo ela, que a organização não mistura sua atuação dentro das cadeias com ações de rua.
Dentro das prisões, por exemplo, há cinco anos reina uma paz negociada, mantida pelo poder de força da organização e sob o olhar cômodo do aparato estatal. Uma das últimas rebeliões que se tem notícia ocorreu em Iaras, em 2008. E assim mesmo foi autorizada porque o comando do PCC, diante a reivindicação pelo motim, “reconheceu” que a direção da cadeia estava agindo com arbitrariedade contra alguns presos.
“A guerra do PCC contra a PM em 2012 foi fora do sistema prisional. Os presídios vivem atualmente uma fase de acomodação, sem a violência de outros períodos. É um equilíbrio precário, mas significa que o PCC tem o controle e o exerce plenamente na mediação dos conflitos internos. É como se o estado a ele tivesse delegado essa função”, afirma Camila.


Marcos Barbosa Moreno recomenda um artigo em Último Segundo.

 
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