15 maio, 2013

Clara Nunes - na sinopse da Nenê de Vila Matilde 2012

"Chica convida... No palácio da Nenê a festa é pra você".
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Sou forra, mulher, rainha e mineira. Vivi no Arraial do Tijuco, cidade dos diamantesdas Minas Gerais, lá pelos idos do século 18. Fui amada, respeitada, temida, odiada...Meu nome é Francisca da Silva de Oliveira, simplesmente Chica da Silva, negra na core mulher de muito valor.
Hoje, em minha paz celestial, decidi dar uma grande festa para ilustres convidados, em homenagem a vitória da liberdade, a literatura, a poesia, a música, ao teatro, ao samba... A cultura dos negros brasileiros.
Nesta festa sem recato, no lugar de navios negreiros teremos carruagens e liteirasdouradas, no lugar da dor e da tristeza teremos alegria, e no lugar de grilhões teremos tambores. Que soem os tambores...
Personificada em minha vida e história, da casa dos sambistas faço o meu castelo.Celebro a vida e a Águia da Azul e Branca põe-te a voar, mostrando a glória desse povo que vive a sambar. Por que hoje "No Palácio da Nenê a Festa é para Você. ChicaConvida!"
Peço licença aos donos dessa casa. Com o meu orgulho renovado recebo os meus filhos. Todos educados longe do seio materno, meus "mestres de cerimônia" que trazem no olhar o afeto, a alegria do nosso amor eterno.
Em respeito a Vossa História, meus bambas de fato, que girem as suas "senhoras", suas Tias Baianas, sigam o meu cortejo em devoção a Nossa Senhora do Rosário à tradição da coroa. Bailam os negros no ritmo do Congado. Onde o Rei do Congo e a Rainha Ginga são coroados... Em tempo de batuque, é dança pra todo lado, olubajé é o seu legado.
Mucamas, criados, atenção! São muitos os afazeres... Movidos por um sentimento deconquista, glória e paixão, cuidem com apreço dos vestidos, das perucas, das jóias àminha adoração. Como o habitual, tragam flores e águas de cheiro. Enfeitem, de forma sem igual, as paredes do palácio com tecidos coloridos, com palhas secas e fios de sisal. Organizem as louças de porcelanas e preparem um maravilhoso banquete. Com um toque africano e bem temperado, caprichem nos quitutes doces e salgados. Músicos toquem, toquem, toquem... Como a suave brisa que embala a sinfonia dos ventos, apresento-lhes o meu quinteto. Sob as obras musicais, sonatas, transcritas para o meu folheto, trago com requinte e leveza a dança do minueto. Rufam os tambores...
Alegria, alegria! Não é conto, nem magia é Rei Zumbi que acabou de chegar. Cada qual com a sua verdade, Zumbi e mil Palmares contra a atrocidade em nome da Liberdade. A virtude de tornar real o sonho da alforria para muitos negros escravos é a sua lei. Entrelaçado em ouro, das minas, eu, o desbravei... Nem tão pouco sonhei. Aplausos, para o nosso glorioso Chico Rei.
Pressinto! E um repentino silêncio se faz presente. Um trotar sublime e envolventeganha espaço reluzindo-se como uma estrela incandescente. É Dom Obá e Agotime, que a bordo de uma carruagem resplandecente, chegam para desfrutar da alegria de toda essa gente.
Tudo acontece ao mesmo tempo. Ganha movimento e os negros escravos vão selivrando dos seus tormentos. Brilha a este espírito de consagramento, a altivez do que é incomum, a atitude à eficácia, de uma "santa de olhos azuis". Chega, livrando-se da mordaça, entre a luta e a sua audácia, a negra, que história batizou de Escrava Anastácia.
"Não se ri do destino". A sua arte floresceu dos sonhos de quando ainda era ummenino... Esculpe e dimensiona o seu cenário projetando ao mundo a tradução dos seus santinhos. Isso tudo me fascina, assim, como contemplo a cultura em meu caminho, vou saudando a criatividade de Antonio Francisco Lisboa, o nosso querido Aleijadinho. Iluminem este palácio. As palavras vão dando conta do meu prefácio. A persuasão ganha vida, meio a discursos, projetos e publicações, uma revolução. Rumam à vitória da tão sonhada Abolição.
Para minha grande festa, de forma exuberante e curiosa, tem gente que vem de barco, o meu maior fascínio. Recebam o Almirante Negro, o engenheiro André Rebouças e o político José do Patrocínio. Assim como sempre quis a essa altura, em noite de festa e de gente feliz, personificado em verso e prosa, seu nome é Machado de Assis. Como em Memórias Póstumas de seu personagem define sua diretriz: a cada poema, crônica, frase um dissabor. Ora extraídos da dor, ora preenchidos com a docilidade deste grande escritor.Entre linhas revelo o que sinto. O contemporâneo, ao meu olhar, deixou de ser um mistério sucinto.
Sob a magnificência de um poeta, dedicado às letras, descobri a Pátria Mãe gentil: Cruz e Souza o maior autor simbolista do Brasil. Vamos celebrar a glória de um povo que sabe rezar. Tantas origens de tal profusão. Tem batuque? É gira de candomblé. Lá vem Tia Ciata, Mãe Menininha do Gantois ao culto sagrado, que faz da reza um canto, a cada mãe de santo, um axé. Mas quem pode com mandinga não carrega patuá. Peço licença ao Ketu, ao Jejê e ao Nagô, para louvar o Orixá da justiça, nosso Rei Xangô. O conto que a gente canta é a história que o povo faz.
É o samba que os males espanta dos sambistas imortais. Certo do me conduz, vamos cantar sambar ir além do que propus. Unindo a moderna cultura negra brasileira à Mãe África com os belos sambas de Clementina de Jesus.
Nesse reduto de bamba, onde tudo é versado, vou deixando o meu recado. Entre oerudito e o popular ouço Clara cantar
, vejo Chiquinha Gonzaga, ao som do piano, abrir alas pro meu povo passar. E sob a regência do maestro renomado, que de Carlos Gomes fora batizado, contemplo um "Guarani" a descansar.
Não há aquele que não preste atenção, na melodia de uma simples canção e não leveconsigo o acorde "Carinhoso" de Pixinguinha em seu coração. Um marco ou um dilema? É Grande Otelo interpretando nas telas do cinema. Chega sem choro e sem dor, esbanjando alegria, com suas diversas formas de fazer humor.
Um importante momento! Inicia o primeiro ato da peça "Aruanda" dirigida por Abdiasdo Nascimento. Um súbito encantamento toma conta de todos. E não é pra menos:elevar a autoestima do negro brasileiro era o seu principal argumento. A grande festa é a esperança, faz aliança é união. Com seu estandarte exalta a arte e acende as luzes da imaginação. No passo desse compasso o samba se une numa apoteótica celebração: Seu Nenê, Seu Inocêncio Mulata, Seu Carlão, Seu Pé Rachado e Dona Madrinha Eunice a inspiração.
E desse encontro mágico e universal chamado carnaval, bate forte o coração. A Nenê de Vila Matilde confraterniza, entende as razões, que no mundo do samba vale-se muito quando se respeita os pavilhões. Recebe Ismael Silva da Estácio de Sá, Cartola da Mangueira, Dona Ivone Lara do Império Serrano, Seu Calça Larga do Salgueiro, Paulo da Portela e estende nesta Avenida a sua maior paixão... De braços dados desfila o enredo do seu samba, ao lado desses eternos guardiões. Celebrem, cantem forte, ninguém há de duvidar, que a Nenê é Chica da Silva e Chica da Silva é Nenê! Porque nascemos pra brilhar.
Carnavalesco - Fernando Dias
Pesquisa e texto - Marcos Roza
http://nenedevilamatilde.com.br/sinopse2012.pdf



Viva Clara Claridade!!! Viva Arte / Cultura!!!