04 maio, 2013

Aos 75 anos, Germano Mathias é referência do samba de sotaque Paulistano

No quarto andar do bloco B de um conjunto habitacional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), na Vila Brasilândia, periferia norte de São Paulo, mora uma lenda viva do samba.

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Germano Mathias posa na escadaria do CDHU da Vila Brasilândia (SP), onde vive há 15 anos
Germano Mathias posa na escadaria do CDHU da Vila Brasilândia (SP), onde more
É ali o apartamento do cantor e compositor Germano Mathias, 75, grande expoente do estilo sincopado, em que uma cadência bem marcada dialoga com o sotaque paulistano. "É o samba do "orra, meu'!", brinca.
De chapéu, "mimosa" estampada e "pisante" classudo, Mathias é o último dos malandros de figurino. Carrega consigo parte da história do gênero que destila em performances cheias de bossa, improviso e imitações dos sons de cuíca e trombone.

O que chama de "tempero" é o batuque que faz na tampa de lata de graxa, herança dos tempos em que frequentava rodas de samba dos engraxates na praça da Sé, no centro.
Mathias é autor de sucessos dos anos 50 e 60, como "Guarde a Sandália Dela", e intérprete de muitos outros hinos do gênero, como "Malvadeza Durão", de Zé Keti, "A História de um Valente", de Nelson Cavaquinho, e "Joga a Chave", de Adoniran Barbosa.

Na parede de sua sala, há uma fotografia do sambista Caco Velho, que tem como mestre. No sofá, amontoam-se quatro dicionários entre páginas de palavras cruzadas, às quais se dedica diariamente, com a ajuda de uma lupa.

55 anos de carreira
É neste cenário que o sambista comemora, em 2010, 55 anos de uma carreira marcada por altos e baixos.
Os 15 anos vividos no CDHU, cercado de favelas, evidencia que os baixos não foram poucos. O Carnaval, por outro lado, permanece sua glória anual.
"Eu me agarro a esses bons momentos com unhas e dentes. Neste ano, com mais unhas do que dentes, porque esse aqui, ó, eu perdi semana passada", diz, escancarando a boca para mostrar o buraco deixado por um molar que se foi. E cai na risada.
Para ele, os desfiles das escolas de samba de São Paulo já empataram, em qualidade, com os do Rio. "Não sou bairrista, sou realista", diz.
Quase perde o rebolado, no entanto, na hora de decifrar a pecha de "túmulo do samba" com que o poeta Vinícius de Moraes batizou sua cidade. "Ele deveria estar bêbado e despeitado com alguma moça Paulistana. Aí, quis se vingar."
Mathias afirma que nunca foi de beber. "Só dava uns tapas no moleque de vez em quando para me animar", diz, confessando que já fumou maconha.
Dos tempos da malandragem, guarda a fala mansa, as piadas de duplo sentido e a memória das farras que drenaram boa parte dos frutos da carreira.
"Eu era farrista! Metia o pau no dinheiro. Gastava em festa, corrida de cavalo e bilhar", lembra. E cai na risada.
Mathias só fica sério quando o assunto é a indústria fonográfica. "Esse negócio de disco está uma porcaria", ataca. "Lancei quatro discos no Japão e ainda não recebi nenhum centavo."
Após alguns minutos de briga com o aparelho de som que queria acionar para mostrar um dos discos, o sambista ficou perplexo ao ser apresentado a um iPod e descobrir que sua música não precisa mais de CD nem toca-discos para ser ouvida. "Esse é o tal de iPod, então? Meu Deus, a malandragem não é mais a mesma...".




Samba da Coroação por Coletivo Arnesto


Atualizado:  na segunda  · Tiradas em SESC Belenzinho