04 março, 2013

Pesquisa exclusiva revela que 75% dos cariocas consideram o Rio uma cidade feliz .



Zeca Pagodinho no Quebra-Mar, na Barra: cantor é apontado como personificação da felicidade Zeca Pa
godinho no Quebra-Mar, na Barra: cantor é apontado como personificação da felicidade
CAMILA MAIA / O GLOBO

RIO - Zeca Pagodinho não tem paciência para esperar táxi. Calça os chinelos, veste o bermudão sobre a sunga, joga a camisa regata no ombro e sai de casa andando. Ainda dentro do condomínio grã-fino onde mora com a família, na Barra da Tijuca, pega a primeira carona. Salta na praia e abre os trabalhos etílicos na Barraca do Lelê, no Posto 5. Dependendo da próxima condução que pintar e do camarada que telefonar, pode ir almoçar no Quebra-Mar, onde ganha quilos de caranguejo dos amigos pescadores, ou rumar para os bares do Terreirão, comunidade famosa pelo comércio popular, que fica do outro lado do bairro. Em dias de folga, o cantor deixa a vida levá-lo.
— Onde chego faço amigos, seja o dono do botequim, seja o dono da gravadora. O importante é cantar e ser feliz — diz Zeca, enquanto caminha pela areia do Quebra-Mar, onde o Canal da Joatinga faz a curva, e cantarola.
Na cidade dos encontros descontraídos e dos discursos descomprometidos, Zeca é o cara que personifica a felicidade, segundo os moradores do Rio ouvidos na pesquisa “O carioca e a felicidade”. Realizado pela agência Quê Comunicação e pela Casa 7 Núcleo de Pesquisa, com exclusividade para O GLOBO, o estudo mostra também que 75% dos habitantes (três em cada quatro cariocas!) acham que o Rio é uma feliz cidade. E o principal motivo da alegria entranhada nas ruas, praças, praias e montanhas é... o próprio carioca, de acordo com 51% dos entrevistados. Carnaval (48%), praias (41%), sol (29%) e futebol (22%) são outras razões citadas.
— O carioca se apropria do Rio, dá o molho, é a alma da cidade. O corpo sem alma não brilha. Nunca daria certo trocar os moradores do Rio por paulistas ou parisienses, a cidade ficaria mais regrada, sem a bagunça que encanta — defende o administrador de empresas Joaquim Monteiro, de 32 anos, um dos fundadores do movimento Rio Eu Amo Eu Cuido.
Diretora de planejamento da Quê e uma das responsáveis pela pesquisa que ouviu 450 pessoas, de 18 a 60 anos, na Zona Sul, na Barra, no subúrbio e em comunidades pacificadas, entre os dias 6 e 13 de janeiro, a publicitária Tatiana Soter observa que o momento mais do que especial que a cidade de 448 anos recém-completados vive, às vésperas da Jornada Mundial da Juventude, da Copa do Mundo e das Olimpíadas, acabou por elevar a autoestima do carioca às alturas:
— O carioca nunca teve problemas com a autoestima. Pelo contrário, sempre se amou tanto que não via problemas na cidade. Por pensamentos acomodados como “O trânsito está horrível, mas veja o Pão de Açúcar pela janela”, o morador da cidade não conseguia partir para a ação, para a transformação. Na pesquisa, observamos que os tempos são outros e, com a nova perspectiva, a euforia é ainda maior. O mundo está apaixonado pelo Rio. E o carioca está se achando...
A ponto de se achar mais feliz do que os demais brasileiros. A pesquisa aponta que 66% dos moradores do Rio acreditam que são mais afortunados do que os habitantes de outros estados do país.
— Somos muito, mas muito mais felizes — atesta a estilista Manuela Noronha, dona da grife Maria Manuela. — Vou para Trancoso todo ano, adoro. Gosto de trabalhar e de ir a bons restaurantes em São Paulo, mas jamais, em tempo algum, moraria lá. Não consigo me imaginar morando em qualquer outro lugar do mundo.
Carioca da Gávea, Manuela, de 42 anos, foi criada e criou o filho, Thomaz, de 20, nas areias da Praia de Ipanema. Mãe e filho sempre surfaram e andaram de skate juntos no calçadão. A bolsa de praia dela, equipada com canga, biquíni, chapéu e filtro solar, “mora” dentro da mala do carro — pronta para qualquer “emergência”.
— Felicidade para mim é ter tempo para aproveitar a cidade da maneira que eu gosto, ou seja, dando um mergulho no início ou no fim do dia. Semana passada me organizei para terminar o trabalho mais cedo e ir à praia beber um vinho com as amigas. Isso é a cara do Rio. Só posso pedir desculpas para quem não mora aqui... — brinca Manuela.
— Quando consigo pegar onda ou apenas dar um mergulho antes de ir para a faculdade ganho o meu dia. Me sinto de alma lavada — completa Thomaz, aluno de Desenho Industrial na PUC e sócio do site Access Club.
A mãe fica orgulhosa do filho.
— A paixão pelo mar é herança de família — explica Manuela, que uma vez por semana convida Thomaz para jantar no Sushi Mar, no Baixo Gávea. — Gostamos de aproveitar muito bem o Rio juntos, noite e dia.
O carioca é família, revela a pesquisa. Encabeçando a lista dos aspectos que mais trazem felicidade, a relação familiar (com 78%) é seguida por saúde (65%), dinheiro (40%), amigos (38%), trabalho (31%), conquistas (27%) e relacionamento amoroso/sexo (21%).
— O carioca quer carinho, quer o aconchego da família. O ideal de vida pode ser a casa própria, um carro, uma viagem, um filho na faculdade. Mas, em sua concretude, a felicidade é ligada ao abraço do filho, ao carinho do marido — atesta a antropóloga Mirian Goldenberg, que obteve conclusão semelhante na realização do estudo “Corpo, envelhecimento e felicidade”.
Na pesquisa da Quê e Casa 7, os mesmos aspectos listados acima foram avaliados de 0 a 10, de acordo com o grau real de felicidade. Família e saúde ganharam notas altas, 9,14 e 8,91, respectivamente. Já dinheiro, terceiro quesito mais importante para o carioca, recebeu a mais baixa nota (7,37), sendo ultrapassado por relacionamento amoroso/sexo, que obteve 8,16.
De 0 a 10, o carioca dá nota 8,24 para sua felicidade. Segundo a pesquisa, os homens se mostram tão alegres quanto as mulheres. E quanto mais velho mais feliz é o carioca.
— Os homens mais jovens pensam em beber com os amigos, enquanto os mais velhos valorizam a família. Já as mulheres se preocupam com marido e filhos na juventude e, mais tarde, ficam loucas para sair com as amigas, viajar. A felicidade do homem e da mulher tem os mesmos componentes, só que em momentos diferentes — diz a antropóloga Mirian Goldenberg.
O artista plástico Carlos Vergara, de 71 anos, é feliz no Rio desde os 13, quando chegou de São Paulo com os pais.
— Demorei 15 minutos para me adaptar — lembra ele, gaúcho de Santa Maria, condecorado cidadão carioca há dois anos. — O Rio provoca felicidade. Sou Portela, mas aqui uso uma frase do Salgueiro: o carioca não é melhor nem pior, é apenas diferente.
Para Vergara, o segredo da felicidade está guardado no horizonte azul do mar:
— Com R$ 5 e uma sunga, o sujeito pode tomar um mate de galão e ter um horizonte, mesmo que tudo esteja ruindo nas suas costas. Esse é o espírito.
O artista plástico mora em Copacabana e tem ateliê em Santa Teresa, seu lugar-xodó, “que tem fragrância de Rio Antigo”:
— De manhã, o padeiro, o vendedor de vassoura e o homem do gás me cumprimentam pelo nome. Santa Teresa tem outro ritmo, a velocidade máxima dos automóveis é de 30 quilômetros por hora.
Vergara gosta de circular: visita os amigos do Cacique de Ramos, toma café com os floristas do Cadeg, almoça no Chapéu de Couro, em Bonsucesso:
— Uso a cidade inteira.
Usar a cidade também é a fórmula encontrada por Joaquim Monteiro, do Rio Eu Amo Eu Cuido, para fazer valer os impostos que paga para morar no Leblon.
— Subo a Vista Chinesa de bicicleta, faço stand up paddle e ando de caiaque do Arpoador às Cagarras, vejo o sol nascer na Pedra da Gávea — enumera Joaquim, que, segunda-feira passada, com noite de lua cheia, subiu o Morro Dois Irmãos. — Cidade olímpica é aquela que se aproveita 24 horas.
Criada na Gávea, Taciana Abreu, de 31 anos, descobriu um novo Rio com o início do processo de pacificação das favelas. Diretora de planejamento da agência NBS, ela ajudou a implementar o projeto Rio+Rio (que faz a ponte para empresas investirem nas comunidades) e a montar um escritório da empresa no Morro Santa Marta:
— Fiz novos amigos e conheci pessoas que viraram referência para mim. A pacificação fez de mim uma carioca mais feliz.
Taciana leva a filha Isabela, de 2 anos, ao baile de debutantes da Providência, à festa de Dia das Crianças no Santa Marta, ao campeonato de futebol no Cantagalo.
— Cresci com o estereótipo patricinha da Zona Sul e sou feliz por saber que minha filha faz parte de uma geração que vai viver um Rio diferente. O que eu fui descobrir aos 30 anos, ela está descobrindo aos 2.
Taciana dá nota 8 para a sua felicidade.
— Não dou 10 porque o Rio ainda não está todo pacificado — ela justifica.
A falta de segurança é o que mais afeta o bem-estar dos moradores. Na pesquisa, 60% dos entrevistados citaram a questão como ponto negativo, seguida de saúde (41%), dinheiro (35%), injustiça social (33%), respeito (24%) e trânsito (14%).
A deficiência no sistema de saúde é uma das questões que tiram o sorriso do rosto do barraqueiro Ronaldo Correia, o Panela, 46 anos, três filhos.
— Meu coração fica mortificado quando fico sabendo que uma criança morreu no Hospital Salgado Filho, no Méier onde nasci, por falta de neurocirurgião — lamenta.
Ele próprio tem saúde de sobra para trabalhar, sol a sol, na barraca demarcada por uma bandeira da Mangueira, no Leblon, alugando banheiras de plástico e vendendo cerveja:
— Posso estar revoltado, mas quando vejo, da minha laje, o sol nascendo atrás das Ilhas Cagarras, todos os problemas desaparecem.
O amor pela arte de flanar, declarado por João do Rio em “A alma encantadora das ruas”, de 1908, é compartilhado pelo carioca Bruno Felipe Duarte, de 25 anos, morador do Morro da Providência.
— A cultura da rua sempre me instigou — conta Bruno. — Gosto de sair de casa de manhã sem me programar, só com um casaquinho na mochila para me proteger do vento do fim de tarde. Aos domingos, não consigo ficar em casa, pego a bicicleta e pedalo pelo Centro. De manhã, só vejo turistas admirando o Paço Imperial. Gosto de estar onde a cidade nasceu.
Historicamente, Praça Quinze e arredores começaram a ser ocupados pelos moradores no século XIX, após a Independência do Brasil.
— O povo corria às ruas para saber as novidades — conta o historiador Milton Teixeira.
Do alto do Morro da Providência, Bruno observa a Ponte Rio-Niterói, o Cristo Redentor e a Central do Brasil com olhar atento:
— A Central mexe comigo, gosto de ver aquele monte de gente indo ou voltando do trabalho, o movimento dos trens. Daqui de cima também observo a Zona Sul, os cartões-postais. O Rio é uma cidade de contrastes, mas não é mais uma cidade partida, diria que é uma cidade cerzida.
Formado em Cinema na PUC, Bruno nasceu no Santo Cristo, cresceu na Cruz Vermelha e mudou-se para a Providência há dois anos, onde divide uma casa com dois amigos.
— A Providência é minha independência, onde consegui viver longe das asas da minha mãe. Para mim, a felicidade está diretamente relacionada à liberdade — conclui Bruno.
“Cariocas não gostam de dias nublados”, já cantou a gaúcha Adriana Calcanhotto. Pois segundo a pesquisa, é no verão que quem vive no Rio é mais feliz. Não à toa, ir à praia é a atividade de lazer preferida de 65% dos moradores. Na sequência da lista de programas para se ter alegria, ideias que podem ser combinadas na areia, como sair para beber (33%), ir a shows (28%), praticar esportes (22%), ir a estádio de futebol (13%), ir a ensaio de escola de samba (12%), ir a bloco de carnaval (11%).
— Ir à praia dá uma sensação de bem-estar natural — diz a ex-bailarina e chef Anna Elisa de Castro, de 37 anos.
Nas areias, todos são iguais... Até se ver o modelo do biquíni (ou da sunga), adverte o roteirista William Vorhees, “consultor de carioquice” e cicerone de Will Smith e Kanye West na cidade.
— Se um cara aparece no Arpoador com uma sunga-dois-dedos, está na cara que é forasteiro. Há muitos anos nós usamos sungas-quatro-dedos. As gaúchas que chegam se achando cariocas de fio-dental também estão por fora: as meninas do Rio estão voltando a usar maiô! Estamos sempre dois passos à frente — analisa William.
Vestida de short, camiseta e chinelo (e com maiô por baixo para aproveitar uma brecha), Anna Elisa se realiza na feira da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, ou entre flores, frutas e verduras da Cobal, no Leblon.
— Se você está deprê, vá à feira! Dou esse conselho para as minhas amigas. Os feirantes têm um humor irresistível — diz a chef. — Gosto de ir à feira de maiô por baixo da roupa para dar um mergulho depois.
O alto astral do carioca é considerado o principal motivo para ele ser mais feliz do que os outros brasileiros, segundo 92% dos moradores da cidade. A malandragem, leia-se jogo de cintura, aparece em segundo lugar, citada por 22%. Depois vêm a beleza da cidade (20%), a sensualidade (13%) e a camaradagem (10%).
Resfriado é algo que deixa Zeca Pagodinho triste. Há dez dias, o cantor estava com dor de garganta, arrumando gavetas, às 13h.
— Você acha que a essa hora eu não queria estar tomando uma gelada? — pergunta, enquanto beberica um chá de capim-limão.
Cerveja é sinônimo de alegria para o cantor, personificação da felicidade para 17% dos cariocas.
O compositor Nei Lopes, que já disse que Zeca “é uma das poucas unanimidades nacionais”, ressalta que ele não é apenas um alegre fanfarrão:
— No episódio de Xerém, Zeca mostrou outra faceta, uma grande preocupação social. No estereótipo de alegria criado para ele, não cabe o sentido de irresponsabilidade.
Em janeiro, Zeca montou num triciclo para ajudar as vítimas das chuvas de Xerém, município de Duque de Caxias onde tem um sítio.
— Xerém é minha felicidade maior. Foi muito triste ver meus vizinhos na lama... — diz. — Ninguém é completamente feliz, há os contrapontos. Mas os momentos alegres superam os tristes.
Na lista de alegrias do cantor, nascido no Irajá e criado em Del Castilho, entram ainda os amigos do peito, os filhos e netos, o samba de improviso.
Segunda-feira passada, recuperado da gripe, o cantor fez fotos no Quebra-Mar, um de seus cantos favoritos. Quando a fotógrafa pediu uma pose de felicidade, ele abriu os braços, tal qual o Cristo Redentor, segundo lugar que inspira felicidade nos cariocas, perdendo apenas para a praia.
Em 30 anos de carreira, Zeca coleciona inúmeros sucessos, mas é quando canta “Deixa a vida me levar” que se sente mais feliz:
— A música é muito parecida comigo. Sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu.