22 março, 2013

Eu fui meu melhor investimento - Milton Cunha



Cada vez mais Fã de Milton.... Nada de reclamar... Investir na gente, nosso maior patrimônio... bato cabeça para ti, Guri!!!

O feijão e o sonho.
"Milton, qual é o seu maior talento?" quis saber a entrevistadora. Quando estou de zoação, digo que é sambar, só para que me peçam para cair no ziriguidum. Mas naquela tarde eu estava inspirado, e busquei uma resposta alternativa, procurando para tanto a coisa que sabia fazer melhor desde que eu era criança. Foi aí que rapidamente conclui que meu maior talento era investir incessante em mim mesmo, e produzi a seguinte resposta: meu maior talento é gastar dinheiro... com minha formação cultural e intelectual, desde que eu era pequeno.
Menino pobre, eu pedia centavos para os meus pais e juntava para comprar um ingresso do Cine Clube da Base Naval de Belém do Pará (a uma hora de lotação) de minha casa, só para poder ver os filmes de Pasolini, Felini, Bergman, Antonioni. Muitas vezes saí antes do filme acabar, porque o último onibus partiria as 11 da noite, o local era ermo, perigoso para além dos muros da base militar, e era impossivel voltar a pé porque eu chegaria ao amanhecer em casa. E para que eu fazia aquilo? Aliás porque fazemos coisas incompreensiveis e depois tudo isto se junta e faz o maior sentido? O que eu ganhava com aquilo? Eu entendia as dificilimas obras para adultos intelectualizados? Médio. Mas elas me sinalizavam que um dia seriam importantes nas discussões cerebrais que eu supunha que teria. Meus irmãos íam ao jogo de futebol, à piscina. Eu ía ao teatro, coisa suspeitíssima, tipo "esse menino é veado....". Mas era a arte que me interessava, era o direito ao sonho que eu queria ter naquela realidade tão adversa.
Morando em vaga no Rio dos anos 80, deixei de comer para poder comprar um ingresso de ultima fila no teatro chic da Gávea para ver Fernanda Montenegro nas Lágrimas Amargas de Petra Von Kant. Nunca esqueci. E considero o ronco de meu estomago naqueles dias a coisa mais desprezível do mundo. Um dia eu teria dinheiro, um dia eu poderia comer e ir ao espetáculo, mas eu sabia que aquela lembrança da grande dama dizendo "Marlene... Marlene..." isto sim me alimentaria para todo o sempre. Aquilo era imperdivel e eu me arrependeria se não fizesse. Sou desta enfermaria cujos pacientes preferem a fantasia ao feijão. A obra de Origenes Lessa O Feijão e o Sonho, que virou novela há quarenta anos e que me sinalizou que depois dos anos de sonho eu teria que virar um pouco feijão para que este sustentasse de novo o sonho. Pois confesso que os dois se fundiram em mim, consigo viver bem e continuar gastando grande parte do que ganho em formação cultural. Não viajo sem museus, musicais, palestras. Só turismo de comida e lugar acho perda de tempo. Eu fui meu melhor investimento.