21 fevereiro, 2013

Morris West escreveu em 1981 um romance que bem poderia ser a história de Bento XVI


osfantochesdedeus

Morris West era australiano e passou 12 anos de sua vida em um mosteiro, mas não chegou a se ordenar padre. Em seus livros o tema do catolicismo está quase sempre presente. No seu livro de 1981, Os Fantoches de Deus, ele conta a história de um Papa, forçado a abdicar do trono de Pedro.
Transcrevo abaixo alguns trechos do livro e cada um que tire suas próprias conclusões.

Ficou curioso? Leia o livro, você vai gostar.
PRÓLOGO
 No sétimo ano de seu reinado, dois dias antes de completar 65 anos,na presença de um consistório pleno de cardeais, Jean Marie Barette, Papa Gregório XVII, assinou um instrumento de abdicação, tirou o anel do Pescador, entregou o sinete ao Cardeal Carmelengo e fez um curto discurso de despedida:
 — Chegou o momento, meus irmãos! Está feito o que pediram.Tenho certeza de que poderão explicar tudo da melhor forma possível à Igreja e ao mundo. Espero que elejam um bom homem. Deus  sabe que vão precisar!
Três horas depois, acompanhado por um coronel da Guarda Suíça,ele se apresentou no Mosteiro de Monte Cassino e colocou-se sob a obediência do abade. O coronel voltou imediatamente para Roma e comunicou ao Cardeal Carmelengo que sua missão fora cumprida.
O Carmelengo deixou escapar um longo suspiro de alívio e iniciou as formalidades de proclamar que o Trono de Pedro estava vago e seria realizada uma eleição o mais depressa possível……………………………………………………………………………………………..
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A carta de Jean Marie Barette, 17.° Gregório na linhagem papal,estava aberta à sua frente, 30 páginas de letra inclinada, num impecável estilo gálico, a crônica de uma tragédia pessoal e de uma crise política de dimensões globais.
“Meu caro Carl:
Neste momento, na longa noite escura de minha alma, quando a razão titubeia e a fé de uma vida inteira parece quase perdida, volto-me para você, em busca da graça da compreensão.

Somos amigos há muito tempo. Seus livros e suas cartas sempre viajaram comigo, uma bagagem mais essencial do que meias e sapatos.Seus conselhos acalmaram-me em muitos momentos ansiosos. Sua sabedoria foi uma luz a me orientar nos labirintos escuros do poder. Embora os caminhos de nossas vidas tenham divergido, gosto de pensar que nossos espíritos mantiveram uma unidade.
Se permaneci em silêncio durante os últimos meses de purgação, foi porque não desejei comprometê-lo. Há algum tempo que venho sendo atentamente vigiado, incapaz de garantir a privacidade até mesmo de meus papéis mais pessoais. Na verdade, devo dizer-lhe que, se esta carta cair em mãos erradas, você pode ficar exposto a um grave perigo.Mais do que isso: se decidir executar a missão que lhe estou confiando,o perigo vai dobrar a cada dia.
Começo pelo final da história. No mês passado, os cardeais do Sacro Colégio, entre os quais alguns que eu acreditava serem meus amigos,decidiram por grande maioria que eu estava, se não insano, pelo menos não mais apto mentalmente para desempenhar as funções de Sumo Pontífice. Tal decisão, cujos motivos lhe explicarei em detalhes, deixou os cardeais num dilema ao mesmo tempo cômico e trágico.
Havia apenas dois meios de se livrarem de mim, a deposição ou a abdicação. Para depor-me, eles teriam de apresentar a causa. E eu tinha certeza de que não se atreveriam a tanto… O cheiro de conspiração seria forte demais, o risco de cisma muito grande. A abdicação, por outro lado, seria um ato leal, que eu não poderia validamente realizar, se estivesse insano.
Meu dilema pessoal era diferente. Eu não pedira para ser eleito.Aceitara apreensivamente, mas confiando no Espírito Santo para orientação e força. Acreditava… e ainda estou tentando desesperadamente acreditar… que a luz me foi dada de uma maneira muito especial e que era meu dever mostrá-la para um mundo já imersonas trevas da última hora dantes da meia-noite. Por outro lado, sem o apoio de meus colaboradores mais destacados, os esteios da Igreja, eu era impotente. Minhas palavras poderiam ser distorcidas, minhas diretrizes anuladas. Os filhos de Deus poderiam ser lançados na confusão ou levados à rebelião.
Foi então que Drexel veio procurar-me. Como você sabe, ele é o Decano do Colégio dos Cardeais. Fui eu quem o designou para Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Ele é um formidável cão de guarda, como você tem bons motivos para saber. Em particular,no entanto, é um homem sensível e compreensivo. Ele estava profundamente angustiado. Era o emissário de seus irmãos cardeais.Discordava da opinião deles, mas estava incumbido de transmitir a decisão deles. Pediram-me que abdicasse e me retirasse para a obscuridade num mosteiro. Se recusasse, eles tomariam as providências necessárias, apesar dos riscos, para declarar-me legalmente insano ecolocar-me em confinamento, sob constante supervisão médica.
Como você pode muito bem imaginar, fiquei terrivelmente chocado.Jamais acreditara; que eles pudessem atrever-se a tanto. Foi então que experimentei um momento de absoluto terror. Conhecia o bastante da história deste cargo e de seus ocupantes para saber que a ameaça era concreta. A Cidade do Vaticano é um Estado independente e não há qualquer investigação exterior do que acontece dentro de suas muralhas.
Mas o terror logo passou e indaguei calmamente o que o próprio Drexel pensava da situação. Ele respondeu sem qualquer hesitação. Não tinha a menor dúvida de que seus colegas poderiam e cumpririam a ameaça. Os danos, num momento crítico, seriam grandes, mas não irreparáveis. A Igreja sobrevivera aos Teofilato e aos Bórgia e à devassidão de Avignon. Sobreviveria também à loucura de Jean Marie Barette. A opinião pessoal de Drexel, apresentada em termos de amizade, era a de que eu deveria curvar-me ao inevitável e abdicar, sob alegação de saúde precária. E depois ele acrescentou um comentário que vou repetir-lhe literalmente: ‘Faça o que eles estão pedindo… mas não mais, nem uma fração a mais! Irá embora. Vai retirar-se para uma vida íntima. Contestarei pessoalmente qualquer documento que queira obrigá-lo a mais do que isso. Quanto à luz que alega ter visto, a orientação que diz ter recebido, não posso julgar se veio de Deus ou se se trata de uma ilusão de um espírito tenso e sobrecarregado. Se é uma ilusão, espero que não a acalente por muito tempo. Se veio de Deus,então Ele lhe possibilitará, no devido tempo, torná-la manifesta. …Mas,se for declarado insano, então ficará completamente desacreditado e aluz será apagada para sempre. A História, especialmente a História da Igreja, é sempre escrita para justificar os sobreviventes.
Compreendi o que ele estava dizendo-me, mas ainda não poderia aceitar uma solução tão terrível. Conversamos durante o dia inteiro,examinando todas as opções possíveis. Rezei sozinho pela noite afora.Finalmente, em cansaço extremo, acabei por ceder. Às nove horas da manhã seguinte, chamei Drexel e disse-lhe que estava disposto a abdicar.
Foi assim, meu caro Carl, que aconteceu. O porquê levará muito mais tempo para relatar. Depois, você também será obrigado a julgar-me.Enquanto escrevo estas palavras, meu temor não é tanto que seu veredicto possa ser contra mim. Temo muito mais pela fragilidade humana. Ainda não aprendi a confiar no Senhor cujo evangelho prego!…”


De: Do Fundo do Baú <xm4000@gmail.com>
Assunto: JP - Do Fundo do Baú
Para: sulinha3@yahoo.com.br