31 janeiro, 2013

A violência simbólica hierarquista dos pronomes de tratamento

piramide-capitalista
Algo que me fez refletir recentemente sobre a questão de tratar diferencialmente autoridades governantes (“governantes” num sentido mais amplo) e pessoas comuns foram os pronomes de tratamento. Reparei que, fora as expressões “você” e “o(a) senhor(a)”, essas construções linguísticas acabam servindo como um costume legitimador de uma ordem em que a hierarquia política, social e moral entre seres humanos é legitimada e naturalizada.
O texto do site Brasil Escola, de autoria de Vânia Duarte, é explícito ao mostrar, ainda que de forma não crítica, como expressões de tratamento servem para acostumar as pessoas com hierarquias:
“Quando nos dirigimos às pessoas do nosso convívio diário utilizamos uma linguagem mais informal, mais íntima. Ao passo que, se formos nos dirigir a alguém que possui um prestígio social mais alto ou um grau hierárquico mais elevado, necessariamente temos que utilizar uma linguagem mais formal. Lembrando que isto prevalece tanto para a escrita quanto para a fala. Para isto, podemos usufruir de um completo aparato no que se refere às normas gramaticais e à maneira correta de como e onde utilizá-las.” (grifos meus)
Alguns exemplos desses pronomes, expostos no texto mencionado, escancaram o caráter hierarquista, a autêntica violência simbólica realçadora de uma ordem de desigualdade, desse tipo de pronome pessoal:
- “Vossa Excelência” – usado para pessoas com alta autoridade, como: presidente da república, senadores, deputados, embaixadores etc;
- “Vossa Eminência” – usado para cardeais;
- “Vossa Alteza” – usado para príncipes e duques;
- “Vossa Santidade” – usado para o papa;
- “Vossa Reverendíssima” – usado para sacerdotes e clérigos em geral;
- “Vossa Paternidade” – usado para superiores de ordens religiosas;
- “Vossa Magnificência” – usado para reitores de universidades;
- “Vossa Majestade” – usado para reis e rainhas.
Às vezes “Vossa Senhoria” acaba sendo usado para pessoas com mais poder econômico, como latifundiários e grandes empresários.
Percebe-se que os pronomes de tratamento servem tanto para um contexto de dominação política de alguns poucos sobre muitos como para a dominação por parte de religiões organizadas, em especial a Igreja Católica Apostólica Romana. O tratamento diferenciado oficiosa mas tradicionalmente dedicado a pessoas de alta posição, nas hierarquias socioeconômica e religiosa, pelos Três Poderes da maioria dos Estados acaba sendo refletido também na diferenciação de tratamento entre pessoas comuns e humildes e indivíduos abastados em prestígio social e econômico.
Nisso o camponês, o vendedor de loja ou a(o) dona(o)-de-casa parecem ser dignos de um tratamento social inferior, atribuidor de menos relevância sociocultural, em comparação ao latifundiário, ao grande empresário, ao deputado que oprime essas pessoas mais pobres, ao pastor que está rico graças ao dízimo de sua igreja ou ao cardeal que vive cercado pelo ouro do Vaticano, mesmo quando ambos os estratos possuem a mesma importância para a sociedade ou as pessoas do estrato mais humilde fazem ainda mais em favor de um mundo melhor do que as do mais abastado.
Pode parecer desejar demais, mas seria uma grande iniciativa de questionamento à autoridade arbitrária e dominadora – e ao seu poder –, e consequente negação da ordem que segrega dominantes e dominados, se nós passássemos a rejeitar os pronomes de tratamento elitistas e usar simplesmente “você”, “tu” ou, no máximo, “o(a) senhor(a)” quando lidarmos com pessoas que estão em posições altas nessa hierarquia injusta que domina as sociedades ocidentais e lhes impõe a desigualdade e a opressão sob as mais diversas formas.