17 setembro, 2012

A ÓPERA BUFA DOS CAÇADORES DE "CAÇADAS DO PEDRINHO"

Penitencio-me com meus leitores por haver analisado com seriedade e só um pouco de sarcasmo a mais-que-ridícula incursão dos patrulheiros cricris no Supremo Tribunal Federal, para tentarem excluir do currículo escolar uma obra do melhor autor que a meninada poderia ler.

Quem encontrou o tom correto para tal opera bufa foi uma mestranda em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp, Lígia Mendes Boareto, na melhor carta de leitor que tenho visto em anos: Querem processar a Emília, uma boneca de pano.

Justifica uma reprodução na íntegra:

Esse debate sobre a obra de Monteiro Lobato, mais precisamente sobre o livro "Caçadas de Pedrinho", é extremamente proveitoso e relevante.

Estamos falando de um livro em que a figura de estilo predominante é a prosopopeia. O que esses grupos antirracismo querem? Processar a Emília, uma boneca de pano?
Eu acho que é por aí mesmo. Essa atitude fortalece a credibilidade e a autenticidade da causa. Agora, todas essas "entidades das minorias" vão ser mais respeitadas e vistas com bons olhos pela sociedade. Além disso, a discussão abre caminho para que outros prejudicados, humilhados, enfim, para que outras minorias também clamem por justiça.

O Vigilantes do Peso, por exemplo, deve alegar que o Marquês de Rabicó, um porco retratado como gordo, guloso e interesseiro, prejudica a imagem dos gordinhos, ou melhor, daqueles que estão acima do peso. E Lúcia, coitada, que sofre "bullying" por causa do nariz arrebitado, tem de processar o engraçadinho que deu a ela o apelido de Narizinho.

O livro "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, deve ser banido das escolas imediatamente, e Rodrigo S.M. deve pedir desculpas formais à Macabéa. Outro exemplar que necessita ser recolhido das bibliotecas é "Macunaíma", de Mário de Andrade. Essa obra é péssima influência para crianças e adolescentes.

Os grupos de defesa dos animais devem aproveitar a oportunidade e processar Esopo. Onde já seu viu associar a imagem das raposas à traição, ou a imagem das cigarras à preguiça? Que brincadeira de mau gosto!
Quem tentaria hoje tornar a história
do mundo interessante p/ crianças?
Hans Christian Andersen precisa ser severamente punido pelo "bullying" contra o "Patinho Feio". Em decorrência da onda do politicamente correto, sugiro que o nome desse conto passe a ser "O Patinho desprovido de beleza exterior". Charles Perrault e os irmãos Grimm também não podem ficar de fora da lista. Afinal, em "Chapeuzinho Vermelho" há um caso gravíssimo de pedofilia.

Walt Disney, então, nem se fala. Ele é o maior disseminador dessas histórias horrendas. E não satisfeito criou um pato com problemas de fala. Cadê o direito dos gagos, dos fanhos, dos que têm ofonia?

Tem ainda outro escritor brasileiro dando mau exemplo por aí: Maurício de Sousa. A Mônica, seu Maurício, não é dentuça. Ela tem dentes proeminentes e fechamento insuficiente dos lábios. Respeite-a!

No fundo, o certo é fazer uma fogueira e queimar todos esses livros! Pena que o segundo livro da "Poética" de Aristóteles, a "Comédia", tenha desaparecido, porque nós poderíamos colocá-lo nessa fogueira inquisitória também. Aliás, o Brasil deveria aproveitar a baderna em que o Egito se encontra, resgatar os livros que sobraram da Biblioteca de Alexandria e incorporá-los à chama santa.

De tempos em tempos, a sociedade precisa de medidas repressivas. Estou muito orgulhosa de o meu país ser o próximo a fazer uma faxina literária. Devemos lembrar que a faxina gramatical já começou. Exemplares de Mattoso Câmara Jr. foram queimados e alguns substantivos uniformes comuns de dois gêneros se tornaram bi... biformes.

Realmente, dá orgulho de ser brasileiro!