25 agosto, 2012

28/Agosto - Lourenço Diaferia, contista, cronista e jornalista

Lourenço Carlos Diaféria (São Paulo, 28 de agosto de 1933 — São Paulo, 16 de setembro de 2008) foi um contista, cronista e jornalista brasileiro.
 
Biografia e carreira
Nasceu em 28 de agosto de 1933 em um bairro de São Paulo e morreu no começo do ano de 2008 aos 75 anos.

Sua carreira jornalística começou em 1956 na Folha da Manhã, atual Folha de S.Paulo. Como cronista o início foi mais tardio, em 1964, quando escreveu seu primeiro texto assinado.
Permaneceu no periódico paulista até 1977, quando foi preso pelo regime militar devido ao conteúdo da crônica Herói. Morto. Nós., considerada ofensiva às Forças Armadas.[1]
A crônica comentava o heroísmo do sargento Sílvio Delmar Hollenbach, que pulou em um poço de ariranhas no zoológico de Brasília para salvar um menino. A criança se salvou, mas o militar morreu, vencido pela voracidade dos animais.
A crônica também citava o duque de Caxias, o patrono do Exército, lembrando o estado de abandono de sua estátua no centro da capital de São Paulo, próximo à Estação da Luz.
Diaféria contratou o criminalista Leonardo Frankenthal e foi considerado inocente em 1980. Durante algumas semanas, a Folha deixou em branco o espaço destinado ao colunista, em repúdio à sua prisão.
Depois da Folha, levou suas crônicas para o Jornal da Tarde, o Diário Popular e o Diário do Grande ABC, além de quatro emissoras de rádio e a Rede Globo.[2]
Católico, escreveu A Caminhada da Luz, livro sobre dom Paulo Evaristo Arns, a quem admirava. Outra "religião" era o futebol: muitas de suas crônicas falavam desse esporte — e de seu time, o Corinthians.[2]
Desde o início de 2008 Diaféria enfrentava problemas no coração, até que um infarto o levou, aos 75 anos, deixando viúva (Geíza), cinco filhos e três netos.[2]

 Obras

Lista incompleta
  • Um gato na terra do tamborim (1976)
  • Circo dos Cavalões (1978)
  • A morte sem colete (1983)
  • O Empinador de Estrela (1984)
  • A longa busca da comodidade (1988)
  • O invisível cavalo voador – Falas contemporâneas (1990)
  • Papéis íntimos de um ex-boy assumido (1994)
  • O imitador de gato (2000)
  • Brás – Sotaques e desmemórias (2002)
  • "Para uma garota de quinze anos" (1977)

Referências

  1. ↑ Folha de São Paulo: "HERÓI. MORTO. NÓS." (Crônica publicada em 1º de setembro de 1977). Na mesma página, uma imagem da primeira página do caderno Ilustrada mostrava uma coluna em branco — forma encontrada pelo jornal protestar contra a prisão de Diaféria.
  2. ↑ a b c O cronista que fingia escrever por divertimento. Revista Época. Rio de Janeiro: ed. Globo, 22 de setembro de 2008, pág. 110

 Ligações externas

Wikiquote
O Wikiquote possui citações de ou sobre: Lourenço Diaféria
  • UOL Notícias Morre aos 75 anos o cronista Lourenço Diaféria (visitado em 17 de agosto de 2008)
  • Crônica "Nunca deixe seu filho mais confuso que você" - Lourenço Diaféria
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    Por Lourenço Diaféria
    Pegaram um dia um operário e disseram-lhe:
    Senta-te no banco dos réus.
    És acusado de haveres nascido com sonhos na cabeça.
  • És acusado de teres os cabelos
    encaracolados.
  • És acusado de teres bigodes vastos, negros, provocativos.
    És acusado de teres alguns pedaços de dedos a menos que o comum dos mortais, podados pelas engrenagens das máquinas.
    És acusado de ficares pelas esquinas conversando em voz baixa com amigos enquanto a luz dos postes te ilumina o suor do rosto. És acusado de terem te visto no bar dando gargalhadas.
    És acusado de tua casa ter um pequeno jardim com grama e flores.
    És acusado de conheceres a sinfonia das sirenes das fábricas anunciando a aurora do primeiro turno. És acusado de seres reconhecido na portaria e todos te cumprimentarem, e te baterem levemente nas costas com alegria, e te dizerem: olá, meu chapa.
    És acusado de inventares um partido que não é o único, mas não se confunde com siglas e teorias de alfarrábios envelhecidos.
    És acusado de fazeres discursos de improviso com vigor e garra que nascem do fundo das vísceras do espírito.
    És acusado de não seres magro nem raquítico como teus irmãos deviam ser.
    És acusado de jogares baralho e dares dores de cabeça aos homens sérios deste país. És acusado de usares gravata em vez de macacão, vestindo-te com roupas só permissíveis no enterro do melhor amigo. És acusado de freqüentar reuniões e discutires com sábios e iluminados sem pedir licença nem apresentar diploma. És acusado de te haverem visto com ministros, criaturas importantes, e não te ocorrer submeter-se a elas.
    És acusado de não teres te colocado no lugar cavado para o oprimido. És acusado de haveres gritado com toda a força de teus pulmões fuliginosos.
    És acusado de teres filhos bonitos e uma mulher doce, que devia ser feia e talhada a foice.
    És acusado de não seres rapaz comportado, meigo, gentil, acetinado.
    És acusado de conheceres a prensa, e não te afugentar o ronco que ela faz na madrugada.
    És acusado de quereres a pátria livre, e livre, também, o coração e os sentimentos do homem.
    És acusado de rezares e de pôr a boca no trombone quando todos se calam e descrêem de Deus e
    dos homens.
    És acusado de teres o desplante de ser líder num país desnaturado onde quem levanta a fronte é triturado.
    És acusado de haveres perdido a paciência de esperar pelo futuro que não chega nunca.
    És acusado de usares sapatos 42, de couro, quando o normal é sandália havaiana.
    És acusado de romperes as cadeias invisíveis que amarram teus braços peludos e tuas mãos penadas.
    És acusado de atraíres os operários com tua voz, teu berro, teu silêncio, teu olhar, tua dor, tua ânsia, teu mistério, e saberes contar, sorrindo, tristes histórias recolhidas em barracos e cômodos-e-cozinhas.
    És acusado de estares em pé, quando devias estar de bruços, de borco, exangue e vencido.
    És acusado de não seres o que queriam que tu fosses.
    Meu caro operário sentado no banco dos réus, por favor, recebe este recado:
    Se existir mesmo essa senhora difusa e vaga a que chamam Justiça, confia nela.
    Não creio que essa matrona seja cega.
     
    * Texto de Lourenço Diaféria , publicado no Jornal Folha de São Paulo, no dia 15/09/80.
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@SulinhaSVO