12 fevereiro, 2012

Ficamos em uma calcinha justa



Se Wando foi tão genial, por que só agora falamos isso? Algo está errado Wando, em três dias, virou mito, cult, santo, maldito, indie... Da zona para o anfiteatro, agora, é um monstro sagrado. Jornais lhe deram páginas inteiras e o chamaram de seu. Emissoras de rádio o fizeram de raio, estrela e luar em suas programações. As redes sociais o colocaram no topo dos itens mais comentados. Gravadoras não devem perder tempo para reunir sua obra em uma caixa com duas ou três faixas inéditas de bônus. Alguém já deve estar fazendo sua biografia para o Natal. A atriz Luana Piovani, em seu twitter, não perdeu a chance de nutrir um pouco mais do amor que sente pelos jornalistas ao falar sobre a morte do cantor. Disse que Wando jamais ganharia uma página inteira de um jornal se lançasse um disco. Que só fazem isso agora motivados pelo sabor da morte. A gente de redação tende a achar que Luana Piovani nunca tem razão. Mas, desta vez, ela tem. Viramos as costas para Wando assim como ignoramos seus pares Odair José, Amado Batista, Reginaldo Rossi, Fernando Mendes, Almir Rogério. Sabemos quem são, assistimos a documentários sobre eles, mas não nos interessam como criadores. A lista não é exclusividade dos bregas, um gênero que também criamos em algum lugar dos anos 80 para enquadrar cantores de paletós e rimas que não ornavam com os nossos gostos. Se identificamos sofisticação em harmonia e prosa, enquadramos o elemento na MPB. Se percebemos tradição em ritmo e verso, os alojamos na prateleira das 'raízes'. Se não sentimos nada disso, segundo nossos registros, descartamos. Eles não têm chance. Não vamos a seus shows, não ouvimos suas músicas e dizemos, com conhecimento de causa, que não gostamos. E pobre de quem falar bem. Especialista em música que se preze, jornalista ou não, não pode assinar embaixo do novo disco de Chitãozinho & Xororó. Ao aprová-lo, correrá o risco de ser desabonado pelos amigos do mercado. É melhor esperar que Chico ou Caetano os gravem para refletirmos sobre suas obras com mais segurança. Ao morrer, Wando nos coloca em uma calcinha justa. Se gostamos tanto de tudo o que fez conforme escrevemos, por que não abrimos mais espaços para seus últimos discos? Se ele era tão importante, por que não íamos a seus shows? Agora, no pós-morte, reconhecemos não só a qualidade do macho que sabia dar a cantada certa com as palavras exatas como somos obrigados a reavaliar: Wando e sua turma estão mais presentes do que nunca na renovação da própria música popular brasileira da qual um dia foram divorciados. Uma gente vibrante que dá caminhos absolutamente criativos, segundo nosso registros, a tudo que faz tem na música brega seus refletores: Ortinho, Fernando Catatau, Karina Buhr, Céu só são o que são porque um dia ouviram Fernando Mendes. Em outra frente, na dos consagrados, o novo disco de Marisa Monte, O Que Você Quer Saber de Verdade, poderia ser todo cantado e composto por Odair José. Mas ninguém vai chamar Marisa Monte de brega. Nando Reis e Zeca Baleiro não cansam de colocar terno de grife em poesia cafona. Em música, também, o meio é a mensagem. A ruptura que fazemos como ouvintes à música de massas nos cega não só a produções interessantes (os teclados e os sopros em arranjos que remetem aos anos 70, por exemplo), mas à compreensão de fenômenos bem peculiares. Michel Teló vai sumir em poucos meses sim porque seu público é impiedoso e não admite ouvir o mesmo artista por dois carnavais. Mas o que este rapaz fez com cinco palavras é digno de atenção. Ai se eu te pego, uma corruptela de 'e quando tão louca me beija na boca, me ama no chão', tem algo de genial. É a frase certa, no momento certo, dita por quem está louco de felicidade e quer dizê-la cantando. E aí, o mundo canta e se lixa para o que dizem os acadêmicos. Aliás, os acadêmicos e os jornalistas não contam, mas eles também cantam as músicas do Wando.

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